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Camões
e a Língua Portuguesa
«(…) O autor pretendia nada menos
que reformar a língua portuguesa, para o que, aliás, lhe não faltavam bons
conhecimentos, sem embargo de curiosas fantasias. Pois, em seu entender, tal
reforma só poderia fazer-se com êxito sob a égide e a autoridade linguística de
Camões, porquanto, acentuava, entre todos os nossos escritores, nenhum havia a
quem ela fosse mais devedora, e Os Lusíadas eram, para os poetas, para os
prosadores e para os simples falantes alheios a pretensões estéticas, o melhor
dicionário que se lhes podia aconselhar. Não se estranhe, por outro lado, que
uma intenção tão explicitamente normativa e atenta ao simples uso coloquial da
língua tomasse por paradigma um poeta. A ideia romântica (mas falsa) de que é o
povo que faz a língua não ganhara ainda direito de cidade.
Macedo podia, pois, afirmar, sem
receio de contradita, que os poetas são os melhores mestres da Lingua e aquelles
a quem ella he mais devedora, nelles a devemos buscar como em fonte pura. E
a sua função era dupla, pois não só a leitura continuada das suas obras propiciava
uma aquisição mais completa e perfeita do sistema linguístico do português,
como serviam de pedra de toque para aferir a qualidade da língua, isto é, o seu
grau de pureza o vernaculismo em cada momento da sua evolução. Ao longo de toda
a obra, vai a poesia camoniana, muitas vezes em confronto com a Gerusalemme
Liberata, de Tasso, servir de guia e modelo para a renovação da
língua portuguesa, considerada nos seus vários sistemas da criação lexical à
ordem sintáctica.
Mas, para além de Macedo, quantos
não recorreram a Camões para ensinar ou penetrar os segredos da língua, nos
seus vários estilos? É Francisco Leitão Ferreira, que nas lições dadas, na
Academia dos Anónimos, chamando-lhe grande, inimitável, judicioso, Corifeu da
nossa poesia, sempre singular, príncipe dos épicos ou cisne canoro em toda a poesia,
o toma para exemplo da transformação da significação própria dos vocábulos na
sua significação metafórica e fundamenta no seu domínio da língua a perfeição e
facilidade com que aplicara, na Épica como na Lírica, as regras da
comparação (conferiu Camões estas ideias, acerca da teoria da comparação, e descobrindo
hum fundamentos verisimil, para inferir a semelhança, lançou mão das cores, e pincel
poetico, o com valentia de figuras, sublimidade de estylo, e magnificencia de
palavras, atadas a sonoros e elegantes numeros, comparou a desesperação à tempestade...
Segue-se, como ilustração, destas afirmações uma oitava da égloga IV, a rústica
contenda desudada posta na boca do pastor Aliento, além de vários outros passos
das Rimas e d’Os Lusíadas).
É Francisco José Freire que nas Reflexões
sobre a língua portuguesa, escreveu:
tal foi Luís de Camões, honra
imortal, não só da poesia, mas da linguagem portuguesa, porque assim na sua
Epopeia, como em todas as demais obras poéticas, praticou uma admirável clareza,
propriedade, elegância e energia de língua. Quem lê a Camões quase que lhe
parece estar lendo um Poeta da idade presente pelo que diz respeito à pureza, e
correcção da nossa gramática.
É Correia Garção que, em
consonância com o pensamento da Arcádia, e para condenar os vícios da poesia de
Francisco Pina Melo, o Corvo do Mondego desgarrado da ortodoxia
observada pelos pastores do Ménalo, recomendava na Epístola I,
Se à sombra dos loureiros sempre
verdes:
Usa da pura língua portuguesa
Que aprendido já tens no bom Ferreira
No Camões imortal, em Sousa e Barros»
In Aníbal Pinto Castro, Camões e a
Língua Portuguesa, Quatro Orações Camonianas, Academia Portuguesa da História,
Lisboa, 1980.
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