jdact e ol
«(…) O corredor deserto
desembocou numa porta com um painel de teclas incrustado na parede e uma
tabuleta a indicar o acesso ao grande acelerador de hadron. Bellamy
sabia que o acesso, além de ser limitado ao pessoal autorizado, se encontrava
nesse instante vedado devido à operação em curso, embora uma minudência dessas
não o detivesse. Ele era o
responsável pela Direcção de Ciência e Tecnologia da CIA, uma das quatro
direcções da agência de espionagem dos Estados Unidos, e tinha a noção muito
clara de onde podia ou não ir, como e em que circunstâncias. Pousou os dedos no
teclado embutido na parede e
digitou o código de acesso que lhe fora comunicado dias antes pelos
responsáveis do CERN. O pequeno ecrã do teclado respondeu com duas palavras em
inglês. Access denied. Fuck!, praguejou o responsável
da CIA, esmurrando a parede tal a sua irritação. Fuck! Fuck! Fuck! As palavras no ecrã a negar-lhe o acesso ao
grande acelerador de hadron piscavam como pirilampos, pareciam até rir-se dele.
Bem vistas as coisas, porém, sabia que não devia ficar surpreendido, pelo que
dominou de imediato as emoções. O código que lhe fora entregue permitia-lhe de
facto aceder a todo o complexo, raciocinou, mas não ao grande acelerador de
hadron quando este estava a funcionar. Teria de improvisar. Deitou a mão ao
coldre por debaixo do casaco e, ao senti-lo
vazio, lembrou-se de que os seguranças no átrio de acesso ao complexo lhe tinham ficado com
o Colt. Seria preciso ir por outro caminho, percebeu. Tirou a chave que trazia
no bolso das calças e, com a ponta, pôs-se a desaparafusar o teclado fixado na
parede. A operação levou uns meros cinco minutos, ao fim dos quais o teclado
cedeu e tombou para fora, apenas preso por fios de electricidade.
Depois de analisar os fios,
Bellamy pegou no telemóvel e carregou numa tecla. Acto contínuo, uma lâmina
saltou com um estalido e o telefone portátil transformou-se no que mais parecia
um canivete suíço. O homem da CIA sorriu. Eram práticos e traiçoeiros aqueles
telemóveis que a Direcção de Ciência e Tecnologia havia desenvolvido para os operacionais.
Agarrou num fio negro e cortou-o com a lâmina. Depois fez o mesmo a outro fio,
este vermelho. Uma vez ambos os fios soltos, pegou neles e colou-os pelas
pontas soltas, estabelecendo contacto. A porta abriu-se com um zumbido suave. Gotcha!
Atravessou a porta, mas antes de
seguir caminho voltou a deter-se e a atirar uma mirada atenta ao corredor de onde
viera. Talvez fosse apenas a influência do campo magnético, não tinha a
certeza, mas a sensação de que alguém o seguia tornara-se ainda mais poderosa. À
medida que os grupos de protões iam sendo injectados de acelerador em
acelerador, a tensão na sala de controlo crescia. Os sussurros entre os físicos
pararam em absoluto e o ambiente adensou-se consideravelmente. O momento mais
importante aproximava-se a passos rápidos. Heinrich!, gritou o director. A que
velocidade estão os protões? Energia, quatrocentos e cinco gigaelectrões-volt e
a crescer, Herr Direktor. O
director voltou-se para o outro lado da sala. Maurice, o grande acelerador de
hadron está pronto para receber a carga? Oui.
Paul, como vão os magnetos? O campo magnético cresce em linha com a aceleração
dos protões, sir.
O poder do campo criado pelos
supermagnetos tinha de aumentar de modo a acelerar os protões, forçando-os assim
a curvar a sua trajectória e, consequentemente, a manter-se dentro do grande
acelerador de hadron. Todos os que estavam na sala tinham a noção de que esta
questão delicada constituía um ponto crítico da operação. Heinrich, já estamos
lá? Quase, Herr Direktor. Faz a
contagem final. Energia, quatrocentos e quinze gigaelectrões-volt e a
crescer..., energia, quatrocentos e vinte gigaelectrões-volt e a crescer...,
energia, quatrocentos e vinte e cinco gigaelectrões-volt e a crescer... Atenção,
Maurice..., modalidade em modo de pacote, preparar a rampa. Energia,
quatrocentos e trinta gigaelectrões-volt e a crescer..., energia, quatrocentos
e trinta e cinco gigaelectrões-volt e a crescer..., energia, quatrocentos e
quarenta gigaelectrões-volt e a crescer... Atenção, Maurice..., modo de pacote,
rampa. Iniciar o grupo de potência um dois três. Energia, quatrocentos e
quarenta e cinco gigaelectrões-volt e a crescer..., energia estabilizada nos
quatrocentos e cinquenta gigaelectrões-volt. Injecção!» In José Rodrigues dos Santos, A
Chave de Salomão, 2014, Gradiva, 2014, ISBN 978-989-616-602-1.
Cortesia de Gradiva/JDACT