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Beja,
Paço Ducal, 2 de Junho de 1459
«(…) O infante Fernando e a sua
comitiva entraram no paço apressadamente, porque a boa nova já se espalhara
pelo ducado. Dona Beatriz o tinha dado novamente à luz uma bonita menina. O infante
Fernando desmontou do cavalo e subiu a ampla escadaria a correr. Foi
directamente para os aposentos da mulher. Dona Beatriz encontrava-se deitada e
segurava nos braços a pequena Isabel. Leonor, que já completara um ano de
idade, também ali permanecia acompanhada de sua aia. Beatriz, minha doce
esposa, já soube que a nossa filha nasceu. Sim, marido, a Isabel nasceu
saudável e fez-se logo anunciar a plenos pulmões. E vós, como vos encontrais? Muito
cansada, naturalmente! Como é bela esta nossa filha, disse Fernando embevecido,
olhando para a criança que durante os anos que se seguiram seria a sua filha
predilecta.
Fernando, tenho de dormitar um
pouco. Dai um pouco de atenção aos nossos filhos para que não fiquem
apoquentados com o nascimento de uma nova irmã. Foi um dia longo e necessito de
me restabelecer. Descansai um pouco. Eu próprio vou ver como se estão a portar os
rapazes e contar-lhes que têm uma bonita irmã.
Lembro-me de que anos
mais tarde ainda ouvi comentários sobre aquele dia, talvez porque se tratou de
um parto difícil. Segundo uma das minhas aias, que assistiu aos acontecimentos,
as mulheres andavam apressadas de um lado para o outro, transportavam toalhas,
jarros com água fervida, panos brancos, alguidares; mas provavelmente é sempre
uma azáfama quando está uma criança para nascer. Apesar de a taxa de
mortalidade infantil ser elevada naquela época, Isabel superou bem a sua
infância. Menos sorte tiveram os meus três irmãos Duarte, Dinis e Simão que
morreram, precocemente, pouco depois de virem a este mundo. Como podem
compreender, Isabel veio alegrar muito a minha vida, porque os meus dois irmãos
mais velhos, o João e o Diogo, nunca tiveram paciência para lidar com os irmãos
mais novos, em particular com as raparigas. Sempre achei que era natural dada a
diferença de idades existente entre nós, mas enquanto João era carinhoso connosco,
Diogo, sempre que podia,
gostava de nos irritar tirando-nos um brinquedo ou puxando-nos as vestes.
Sempre foi um rebelde e sempre tirou proveito do facto de ser o mais egoísta de
todos nós e de nada partilhar com os irmãos.
Sagres,
13 de Novembro de 1460
A família encontrava-se no Paço de Beja, no dia 14 de Novembro do ano de 1460, já o Sol se
escondia, quando chegou a triste notícia. Um cavaleiro entrou no pátio do paço
em grande velocidade. O animal que o transportava estava exausto e o homem
vinha com um aspecto sujo e cansado. Cavalgara durante todo o dia e toda a
noite, desde Sagres, para chegar a tempo de relatar a triste notícia a meu pai.
Senhor, trago-vos uma triste notícia, disse o homem depois de ter feito uma
vénia. Do que falais, dom Augusto? Senhor, vosso tio, o infante, faleceu ontem de
madrugada. Mas o que aconteceu? Não sabia que o tio se encontrava tão doente! Ninguém
sabia. O médico foi visto várias vezes no paço, nos últimos dias, mas, como
sabeis, a sua presença era constante, uma vez que era amigo do Infante. Mas, dom
Augusto, o que sucedeu de facto? — Não sei, senhor, foi uma apoplexia. Disse
que não se sentia bem e morreu. Que Deus lhe dê descanso na eternidade.
Augusto, mandai preparar o meu cavalo, pois parto para Sagres de imediato». In Paula Veiga,
A Rainha Perfeitíssima, 2017, Edições Saída de Emergência, 2016/2017, ISBN
978-989-773-014-6.
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