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de wikipedia e jdact
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Pelas informações disponíveis percebemos estar perante uma comunidade judia numerosa
e activa, dedicada a diferentes actividades económicas que animavam a cidade,
como se depreende da variedade de ofícios mecânicos a que muitos dos seus membros
se dedicavam, com particular interesse nas actividades de ferreiro, gibiteiro,
ourives, sapateiro, tintureiro e tecelão, em consentâneo com a não menos
importante ligação ao sector agrícola, principalmente na exploração de vinhas, lagares
e alguns olivais, também estes de propriedade da catedral e situados na área peri-urbana
da cidade, sobretudo em Jugueiros, mas também na Arroteia, em Ranhados, na
Mouta, em Sás, na Alagoa e junto do rio Pavia.
Neste
entrecruzar de espaços habitados e no bulício dos afazeres dos mesteres e dos trabalhos
do campo, executados por cristãos e judeus, encontramos a génese do pulsar da
nova cidade em que se tornou a Viseu de Quatrocentos. Porém, o quadro de coexistência
pacífica que terá caracterizado o relacionamento destes dois grupos, assente na
tolerância da maioria face à minoria, acabou por ganhar outros contornos ao longo
do século XV como consequência do aumento da pressão segregacionista imposta pela
política antijudaica da época. Na verdade, se houve momentos em que a comuna de
Viseu obteve a protecção e o patrocínio da Coroa, como aquele em que recebeu a confirmação
dos seus privilégios, foros, liberdades e costumes, outorgada pelo rei Duarte I,
em 1433, outros houve em que foi o alvo das queixas da maioria cristã interessada
agora em reforçar a secundarização da minoria judaica no quadro sócio-económico
da cidade. A reclamação mais forte foi apresentada nas cortes realizadas em Évora,
em 1444. Queria o concelho de Viseu aproveitar o facto de a cidade começar finalmente
a ser amuralhada para solicitar ao rei a transferência da judiaria para um lugar
mais afastado dentro do perímetro do muro, de forma a evitar o grande inconveniente
de ter o bairro judaico em pleno centro urbano. O infante regente Pedro
concordou com o pedido, mas só quando a cidade estivesse efectivamente toda murada,
o que ainda estava longe de ser uma realidade, razão por que a mudança da judiaria
nunca se chegou a efectivar. Anos mais tarde, em 1460, o concelho voltaria a reclamar
em cortes, de novo reunidas em Évora, pedindo para que as vendas feitas por cristãos
a judeus se realizassem primeiro na Praça da cidade e não na Judiaria, porque, em
contrário, alegavam que as mercadorias quando chegavam ao mercado, depois de passarem
pela rua dos judeus, já iam çujas e dampnadas. Novos sinais de crispação
e antagonismo foram dados oito anos depois, em 1468, desta vez pelos
procuradores de Viseu às cortes de Santarém. Queixavam-se agora de haver judeus
a habitar fora da Judiaria e do facto das casas deste bairro terem portas e
janelas que tanto davam serventia para a própria Judiaria como para as casas de
cristãos, resultando daí grande prejuízo e dano à cidade. Por essa razão
solicitaram ao monarca que ordenasse aos judeus o encerramento de todas as
portas e janelas que confrontassem com propriedade cristã, pedido a que o rei
Afonso V prontamente anuiu. O bairro judaico de Viseu ganharia assim a sua
definitiva configuração, de espaço reservado, vedado aos olhares da cidade
cristã, ao mesmo tempo que não permitia aos judeus a livre vizinhança com os demais
elementos da maioria religiosa. À imagem do isolamento das casas judaicas juntava-se
a do encerramento da rua da Judiaria, atestado desde 1455, através da colocação
de portas em cada uma das suas extremidades, uma delas, aliás, situada na esquina
da Rua da Triparia, junto a uma travessa que dava passagem para a Sé». In
Anísio Sousa Saraiva, Metamorfoses da cidade medieval. A coexistência entre a
comunidade judaica e a catedral de Viseu, Revista Medievalista, nº 11, 2012,
Universidade de Coimbra, Centro de História da Sociedade e da Cultura, Centro
de Estudos de História Religiosa, IEM, ISSN 1646-740X.
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