segunda-feira, 13 de julho de 2020

O Som e a Fúria. William Faulkner. «Vamos lá parar a choradeira, disse o Luster. Não os posso obrigar a vir, se eles não querem vir, eu posso. Se não se cala, a minha avó não lhe faz a festa de anos»

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«O Som e a Fúria é a tragédia da família Compson, apresentando algumas das personagens mais memoráveis da literatura: a bela e rebelde Caddy, Benjy, o filho varão, o assombrado e neurótico Quentin; Jason, o cínico brutal, e Dilsey, o criado negro. Com as suas vidas fragmentadas e atormentadas pela história e pela herança, as suas vozes e acções enredam-se para criar o que é, sem dúvida, a obra-prima de Faulkner e um dos maiores romances do século XX. William Faulkner afirmou muitas vezes que O Som e a Fúria era o romance mais próximo do seu coração porque era o que lhe tinha causado mais sofrimento e angústia a escrever. Neste magnífico romance, publicado pela primeira vez em 1929, Faulkner criou a menina dos seus olhos, a bela e trágica Caddy Compson, cuja história nos conta através dos monólogos separados dos seus três irmãos: Benjy, o idiota; Quentin, o suicida neurótico; e o monstruoso Jason. É o seu quarto romance e a primeira das suas obras- primas indiscutíveis, aquela que, mais do que qualquer outra, confirmou Faulkner como figura central da literatura do século XX». In Sinopse.

Sete de Setembro de 1928
«Através da cerca, por entre os intervalos das pétalas encaracoladas, eu via-os a dar tacadas. Foram até onde estava a bandeira e eu segui-os pela cerca fora. O Luster andava à cata na relva, perto da árvore das flores. Tiraram a bandeira e deram uma tacada. Depois voltaram a pôr a bandeira no lugar e dirigiram-se para o planalto; um dava tacadas e o outro dava tacadas. Depois continuaram e eu segui-os pela cerca fora. O Luster afastou-se da árvore das flores e continuámos pela cerca fora e eles pararam e nós parámos e eu espreitei pelos intervalos da cerca enquanto o Luster andava à cata na relva. Aqui, caddie. E davam tacadas. Foram-se embora pelo prado. Eu fiquei agarrado à cerca a vê-los irem-se embora. Vejam só, disse o Luster. É mesmo muito engraçado; trinta e três anos e a portar-se dessa maneira. E eu que me dei ao trabalho de ir à cidade para lhe comprar o bolo. Vamos lá parar com a choradeira. Então, não me ajuda a procurar os vinte e cinco cêntimos para eu poder ir ao espectáculo logo à noite. Eles agora iam a dar poucas tacadas pelo prado fora. Voltei para trás ao longo da cerca até onde estava a bandeira, a adejar sobre a relva cintilante e as árvores. Venha, disse o Luster. Aí já procurámos. Tão depressa não aparecem mais. Vamos até lá abaixo ao riacho a ver se achamos os vinte e cinco cêntimos antes qu'as negras os encontrem.
Era vermelha e adejava sobre o prado. Nisto, um pássaro desceu em diagonal e empoleirou-se nela. O Luster atirou. A bandeira adejava sobre a relva cintilante e as árvores. Eu estava agarrado à cerca. Vamos lá parar a choradeira, disse o Luster. Não os posso obrigar a vir, se eles não querem vir, eu posso. Se não se cala, a minha avó não lhe faz a festa de anos. Se não se cala, já sabe o que eu lhe faço. Como o bolo todo. E as velas também. As trinta e três velas todas duma vez. Vá, vamos até lá ao riacho. Tenho que encontrar os meus vinte e cinco cêntimos. Pode ser que encontremos alguma bola. Lá tão. Lá tão eles. Ali adiante. Tá a ver. Abeirou-se da cerca e estendeu o braço. Tá a vê-los. Já não voltam mais pr'aqui. Vá, venha daí. Fomos pela cerca fora até ao muro do jardim, onde as nossas sombras se encontraram. A minha sombra chegava mais alto que a do Luster. Fomos até ao sítio onde a cerca estava partida e passámos para o outro lado». In William Faulkner, O Som e a Fúria, 1929, Dom Quixote, 2012, ISBN 978-972-204-882-8.

Cortesia de Edomquixote/JDACT