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de wikipedia e jdact
O
Castelo de Lucretili. Junho de 1453
«(…) Isolde levantou-se de repente.
Não acredito que o pai tenha planeado isso para mim. Ele nunca sugeriu nada
parecido e foi muito claro quando disse que dividiria as terras entre nós. Ele sabia
o quanto amo este lugar, como amo estas terras e conheço essas pessoas. Disse
que legaria este castelo e as terras a mim, e daria a você as terras na França.
Giorgio balançou a cabeça, como se lamentasse um pouco. Não, ele mudou de
ideia. Como o filho mais velho e único filho homem, o único herdeiro
verdadeiro, ficarei com tudo: tanto na França como aqui. E você, como mulher,
deverá partir. Giorgio, meu irmão, não me pode expulsar de casa! Ele levantou
as mãos espalmadas voltadas para cima, como quem diz que não pode fazer nada
para ajudar. Não há nada que eu possa fazer. É o último desejo de nosso pai e o
tenho por escrito, assinado por ele. Ou você se casará, e sei que ninguém vai
querê-la além do príncipe Roberto, ou irá para a abadia. Foi bondade dele
dar-lhe o direito de escolha, muitos pais apenas deixariam ordens. Com licença,
disse Isolde, com a voz trémula, lutando para controlar a raiva. Deixarei os
dois e irei para os meus aposentos meditar sobre o assunto.
Não demore demais!, disse o príncipe
Roberto, exibindo um sorriso íntimo. Não esperarei muito tempo. Vou dar-lhe uma
resposta amanhã. Ela parou na soleira da porta e encarou o irmão. Posso ver a
carta de meu pai? Giorgio assentiu e a tirou de dentro do colete. Pode ficar
com ela. É uma cópia, a original está no cofre. Não há dúvidas quanto aos seus
desejos. Você não precisa pensar se obedecerá a ele, mas sim em como obedecerá.
E ele sabia que obedeceria. Eu sei. Sou a filha dele. É claro que vou obedecê-lo.
Ela saiu da sala sem olhar para o príncipe, embora ele se tenha levantado e
feito uma mesura exagerada, depois piscado para Giorgio como se pensasse que o
problema estava resolvido.
Isolde acordou durante a noite ao
ouvir uma leve batida na porta. O travesseiro estava molhado sob o rosto. Ela
havia chorado enquanto dormia. Por um momento, se perguntou por que sentia
tanta dor, como se estivesse de coração partido, então se lembrou do caixão na
capela e dos cavaleiros silenciosos na vigília. Fez o sinal da cruz. Deus o
abençoe e salve sua alma, sussurrou. Deus me reconforte na tristeza. Não sei se
posso suportar. A batida leve voltou, e ela levantou as cobertas com bordados
opulentos e foi até a porta com a chave na mão. Quem é? É o príncipe Roberto.
Preciso falar com você. Não posso abrir a porta, falarei com você amanhã. Preciso
falar com você esta noite. É sobre o testamento, sobre os desejos de seu pai. Ela
hesitou. Amanhã... Creio que há uma saída para você. Compreendo como se sente e
acho que posso ajudar. Que saída? Não posso gritar pela porta. Abra uma fresta
para que eu possa sussurrar. Só uma fresta, respondeu, e girou a chave,
mantendo o pé contra a base da porta para garantir que ela se abriria apenas um
pouco. Assim que ouviu a chave girar, o príncipe empurrou a porta com tamanha
força que ela bateu na cabeça de Isolde e a fez cambalear pelo quarto. Ele
bateu a porta ao entrar e girou a chave, trancando os dois ali. Pensou que
poderia me rejeitar?, perguntou, furioso, enquanto ela tentava se levantar. Você,
quase sem um tostão, pensou que poderia me rejeitar? Pensou que eu iria
implorar para falar com você por uma porta fechada? Como se atreve a forçar a entrada?
Isolde exigiu saber, lívida e furiosa. Meu irmão vai matá-lo... Seu irmão
consentiu. O príncipe riu. Seu irmão aprova o nosso casamento, ele mesmo
sugeriu que eu a procurasse. Agora vá para a cama. Meu irmão? Ela sentiu o
choque se transformar em horror ao perceber que fora traída pelo próprio irmão.
E agora esse estranho avançava para ela, o rosto gordo exibindo um sorriso
confiante. Ele disse que tanto faz eu tê-la agora ou depois. Pode lutar se
quiser. Não fará diferença para mim, gosto de uma briga. Gosto de mulheres de
espírito, ficam mais obedientes depois. Você é louco, afirmou, categórica.
Como quiser. Mas eu a considero
minha prometida, e consumaremos o nosso noivado agora mesmo, para que não
cometa erros amanhã. Você está bêbado, exclamou ela, sentindo o cheiro acre de
vinho no hálito do homem. Sim, graças a Deus. E pode se acostumar com isso também.
Ele investiu contra Isolde, arrancando o casaco dos ombros gordos. Ela se retraiu
até sentir a coluna alta de madeira da cama de dossel às costas, bloqueando a sua
fuga. Pôs as mãos nas costas, para que ele não as agarrasse, e sentiu o veludo
da coberta. Por baixo dele, estava o cabo da caçarola de bronze cheia de brasas
quentes que fora colocada ali para aquecer os lençóis frios. Por favor, disse. Isso
é ridículo. É uma ofensa à nossa hospitalidade. Você é nosso convidado, e o
corpo de meu pai jaz na capela. Estou indefesa, e você está embriagado de nosso
vinho. Por favor, vá para seu quarto e trocaremos cortesias pela manhã. Não. Ele
a olhou de soslaio. Acho que não. Acho que passaremos a noite aqui, em sua
cama, e tenho certeza absoluta de que conversaremos com cortesia pela manhã». In
Philippe Gregory, O Substituto, 2012, Editora Galera Record, Colecção Ordem da
Escuridão, 2015, ISBN 978-850-140-319-3.
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