Ao Rosto Vulgar dos Dias
«Monstros e homens lado a lado,
Não à margem, mas
na própria vida.
Absurdos monstros
que circulam
Quase honestamente.
Homens
atormentados, divididos, fracos.
Homens fortes,
unidos, temperados.
Ao rosto vulgar dos
dias,
À vida cada vez
mais corrente,
As imagens
regressam já experimentadas,
Quotidianas,
razoáveis, surpreendentes.
Imaginar, primeiro,
é ver.
Imaginar é conhecer, portanto agir».
O
Tempo Sujo
«Há dias que eu odeio
Como insultos a que não posso responder
Sem o perigo duma cruel intimidade
Com a mão que lança o pus
Que trabalha ao serviço da infecção
São dias que nunca deviam ter saído
Do mau tempo fixo
Que nos desafia da parede
Dias que nos insultam que nos lançam
As pedras do medo os vidros da mentira
As pequenas moedas da humilhação
Dias ou janelas sobre o charco
Que se espelha no céu
Dias do dia-a-dia
Comboios que trazem o sono a resmungar para o trabalho
O sono centenário
Mal vestido mal alimentado
Para o trabalho
A martelada na cabeça
A pequena morte maliciosa
Que na espiral das sirenes
Se esconde e assobia
Dias que passei no esgoto dos sonhos
Onde o sórdido dá as mãos ao sublime
Onde vi o necessário onde aprendi
Que só entre os homens e por eles
Vale a pena sonhar».
Poemas
de Alexandre O’Neill, Poesia Completas & Dispersos, Edição de Maria Antónia
Oliveira, Assírio & Alvim, No Reino da Dinamarca, 2018, ISBN
978-972-371-947-5.
Cortesia
de AssírioandAlvim/JDACT