sexta-feira, 24 de julho de 2020

Poesia Completas & Dispersos. Alexandre O’Neill. «São dias que nunca deviam ter saído do mau tempo fixo que nos desafia da parede dias que nos insultam que nos lançam»

Cortesia de wikipedia e jdact

Ao Rosto Vulgar dos Dias
«Monstros e homens lado a lado,
Não à margem, mas na própria vida.

Absurdos monstros que circulam
Quase honestamente.

Homens atormentados, divididos, fracos.
Homens fortes, unidos, temperados.

Ao rosto vulgar dos dias,
À vida cada vez mais corrente,
As imagens regressam já experimentadas,
Quotidianas, razoáveis, surpreendentes.

Imaginar, primeiro, é ver.
Imaginar é conhecer, portanto agir».


O Tempo Sujo
«Há dias que eu odeio
Como insultos a que não posso responder
Sem o perigo duma cruel intimidade
Com a mão que lança o pus
Que trabalha ao serviço da infecção

São dias que nunca deviam ter saído
Do mau tempo fixo
Que nos desafia da parede
Dias que nos insultam que nos lançam
As pedras do medo os vidros da mentira
As pequenas moedas da humilhação

Dias ou janelas sobre o charco
Que se espelha no céu
Dias do dia-a-dia
Comboios que trazem o sono a resmungar para o trabalho
O sono centenário
Mal vestido mal alimentado
Para o trabalho
A martelada na cabeça
A pequena morte maliciosa
Que na espiral das sirenes
Se esconde e assobia

Dias que passei no esgoto dos sonhos
Onde o sórdido dá as mãos ao sublime
Onde vi o necessário onde aprendi
Que só entre os homens e por eles
Vale a pena sonhar».

Poemas de Alexandre O’Neill, Poesia Completas & Dispersos, Edição de Maria Antónia Oliveira, Assírio & Alvim, No Reino da Dinamarca, 2018, ISBN 978-972-371-947-5.

Cortesia de AssírioandAlvim/JDACT