quinta-feira, 2 de julho de 2020

O Afegão. Frederick Forsyth. «Um de seus companheiros apontou a ausência de sinal no visor do aparelho e explicou o processo de carregamento»

Cortesia de wikipedia e jdact

Stingray
«(…) Mas, caso recebessem qualquer tarefa do chefe do seu clã, morreriam para realizá-la. Naquele Setembro, foram incumbidos de proteger o egípcio de meia-idade que falava árabe nilótico, mas dominava o suficiente do idioma pashto para se comunicar. Um dos quatro jovens era Abdelahi, e seu orgulho e alegria era seu telefone móvel. Infelizmente o aparelho não estava funcionando, porque ele esquecera de recarregar a bateria. Isso foi depois do meio-dia. Uma hora perigosa demais para sair à rua e caminhar até uma mesquita local para rezar. Al Qur dissera todas as suas preces junto com seus guarda-costas, no seu apartamento no andar superior. Tinham feito uma refeição frugal e se recolhido para descansar um pouco. O irmão de Abdelahi vivia a centenas de quilómetros a oeste, na igualmente fundamentalista cidade de Quetta, e a mãe deles estava doente. Em busca de notícias da mãe, tentou falar com ele pelo telemóvel. Não iria falar nada que fosse comprometedor; apenas uma parte dos trilhões de palavras inocentes que viajavam diariamente pelo éter de todos os cinco continentes. Mas seu telemóvel não queria funcionar. Um de seus companheiros apontou a ausência de sinal no visor do aparelho e explicou o processo de carregamento. Então Abdelahi viu o telemóvel sobressalente sobre a mala do egípcio, na sala de estar.
Estava totalmente carregado. Sem ter ideia de como aquilo poderia causar qualquer problema, digitou o número do irmão e ouviu o toque da chamada para Quetta. E na toca de coelho de subterrâneos interconectados em Islamabad, que constituem o departamento de escuta do Centro Antiterrorista do Paquistão, uma pequena lâmpada vermelha começou a piscar. Muitos moradores de Hampshire consideram-no o condado mais bonito da Inglaterra. A costa sul, de frente para as águas do canal, abriga o imenso porto marítimo de Southampton e a doca de Portsmouth. Seu centro administrativo é a cidade histórica de Winchester, dominada por uma catedral com quase mil anos de idade.
No coração do condado, longe de todas as estradas, e até mesmo das rodovias, fica o silencioso vale do rio Meon, um córrego agradável em cujas margens jazem aldeias que datam do tempo dos saxões. Uma única estrada corre de sul a norte, mas o resto do vale é uma rede de alamedas coleantes franjadas com árvores, cercas vivas e prados. É uma região de fazendas como nos velhos tempos, com poucos campos de mais de dez hectares e com um número ainda menor de fazendas de mais de quinhentos hectares. A maioria das casas de fazenda é muito antiga, e algumas servidas por agrupamentos de celeiros grandes, antigos e belos. O homem empoleirado no cume de um dos celeiros desfrutava de um panorama do vale Meon e de uma visão geral da aldeia mais próxima, Meonstoke, que ficava a menos de um quilómetro e meio de distância. No momento em que, a vários fusos horários para leste, Abdelahi fez a última chamada telefónica da sua vida, o telhador enxugou um pouco de suor da testa e reiniciou seu trabalho: remover com cuidado as telhas de barro que tinham sido postas ali havia centenas de anos.
Deveria ter chamado uma empresa especializada em reparo de telhado, que teria envolvido o celeiro inteiro com andaimes. Seria mais rápido e seguro trabalhar desse modo, embora muito mais caro. E o problema era esse. O homem empunhando o martelo de telhador era um ex-soldado, aposentado depois de 25 anos de carreira, e que usara a maior parte do soldo para comprar este sonho; um lugar no campo para chamar de lar. Um lar que já fora um celeiro, e do qual, para chegar à cidade mais próxima, era preciso seguir uma trilha e depois uma estrada». In Frederick Forsyth, O Afegão, Edições ASA, 2008, ISBN 978-989-230-267-6.

Cortesia de EASA/JDACT