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A Musa
I
Das suas tranças douradas
nem uma só é postiça:
é casta como as espadas,
é recta como a justiça.
Não tem o lânguido jeito
das musas cor das opalas,
que andam doentes do peito
e fazem furor nas salas.
Traz à cinta cartucheira
e traz arma a tiracolo;
é alegre vivandeira
dos demagogos... D’Apolo.
Às comendas diamantinas
prefere os lírios nevados,
e as blouses garibaldinas
às becas dos advogados.
Não procura o beneplácito
da corte ou da Santa Sé;
depois de jantar com Tácito,
vai cear com Rabelais.
Às grandes festas hipócritas
do mais brilhante palácio
prefere a aurea mediocritas,
o encanto do velho Horácio.
Detesta graves pedantes;
ama o justo, o belo, o nu,
tem relação com Cervantes,
e trata Voltaire por tu.
a mediocridade ignara,
com a farinha da troça
enfarinhando-lhe a cara.
gosta de ir, pé ante pé,
quebrar na nuca dos sábios
O ovo dum triolet.
inchado, com grandes famas,
pede aos cortiços do Himeto
as vésperas dos epigramas.
da melhor forma que pode,
as ortigas da Ironia
junto aos plátanos da Ode.
ela atropela sem pena
Filinto Elísio que passa
de braço dado a Lucena.
vai-se rindo alegremente
da vereação do Parnaso,
de que é Boileau presidente.
no seu divino alasão;
é como se fosse a aurora
montada sobre um trovão!
vai num galope desfeito,
enterra-lhe a espora, e salta
o muro do Preconceito.
da inspiração, e lá cima
ao eixo fulvo dos astros
prende os trapézios da rima.
estrelada do universo,
faz prodígios de quimera
na corda bamba do verso.
no Parnaso lusitano,
desempedrando as calçadas
dos versos para piano.
lutando, cantando e rindo;
senta-se junto ao Futuro
na extrema esquerda do Pindo».
In Guerra Junqueiro. A Musa em Férias
In Guerra Junqueiro. A Musa em Férias