segunda-feira, 17 de abril de 2017

À Porta do Ser. José Enes. «Esta eficácia está directamente proporcionada com aquela riqueza e, por isso mesmo, constitui a essência do acontecer original do pensamento»

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Caracteristicas da presente interpretação
«(…) O presente estudo destaca-se das duas referidas formas de interpretação pelo outro viés com que se podem interpretar as citadas palavras de Heidegger. Com efeito, o impensado numa obra de pensamento pode entender-se por aquilo que nela permanece de impensado e que, todavia, através dela, vem a ser pensado, quando antes não fora. A grandeza da obra, então, mede-se pela riqueza do impensado e pela eficácia originar com que ela no-lo faz pensar. Já aqui, porém, uma ambiguidade se insinua com respeito ao pensar do impensado. Se pensar se entende no sentido do conhecer categorial, o impensado vem a ser pensado quando alcança a expressão predicativa. Neste caso, a riqueza do impensado resulta diminuída pelo mesmo facto de o pensador não o ter formulado em dicção categorial, porque então o estado de inexpresso equivale à privação do que era possível e só se tornou real mediante a interpretação.
Mas se pensar se toma no sentido do conhecer acategorial, o impensado é precisamente aquilo que nunca poderá ser expresso numa formulação predicativa, senão somente sugerido pelo conteúdo, processos e modos de tal formulação. Este impensado jaz no fundamento de todo o pensar categorial como a matriz originante donde brota e a que regressa quanto ganha formulação predicativa. Tal impensado jamais poderá ser dito formalmente pela tessitura formal da linguagem enunciativa. A sua região é a do silêncio da fecundidade e da geração. Pensá-lo, consiste em aperceber-se dele na resolução aos princípios do que é formalmente expresso na enunciação. Fazê-lo pensar, consequentemente, consistirá em sugerir, através do dizer, aquilo mesmo que é só sugerido, enquanto sugerir outra coisa não é senão levar debaixo. O Impensado, assim entendido, vem no bojo do pensado, que será tanto mais rico quanto mais prenhe estiver de impensado. A grandeza da obra de pensamento medir-se-á, então, pela-riqueza do impensado e pela eficácia sugeridora.
Esta eficácia está directamente proporcionada com aquela riqueza e, por isso mesmo, constitui a essência do acontecer original do pensamento. Insinuar-se é o comportamento do impensado que se refugia no seio do pensado, não por medo à luz, senão porque ele é a luz do pensado. O impensado fecunda o pensamento e o torna grávido, e quanto mais gerante for a fecundidade, tanto mais densa e entumescente resultará a gravidez e tanto mais impelida à parição. Esta processa-se, porém, não pela prolação do concebido, mas pela deiscência do proferido, ou seja, pela aparição. Cheio de luz, o pensamento formulado abre-se para que a luz apareça. Sem ser formulado, na formulação do pensado o impensado vem ao pensamento quando este, de grávido, se abre à revelação. O que faz com que determinado pensador elabore o seu pensamento categorial de modo a oferecer, num dado momento, a luz até então oculta na região silenciosa das origens, é precisamente a prenhez luminosa do impensado». In José Enes, À Porta do Ser, Ensaio sobre a justificação noética do juízo de percepção externa em S. Tomás de Aquino, 1969, Difusão Dilsar, Lisboa, FCG, Edições Colibri e Universidade dos Açores, 2006, ISBN 978-972-772-607-0.

Cortesia de DDilsar/FCG/EColibri/UAçores/JDACT