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Os
anos da inocência, 1944-1974
«(…) A precursora do Partido Socialista não tinha
qualquer passado histórico. Nascera na década de 60 um pouco com o quem regista
uma patente por iniciativa de um grupo de conspiradores de operacionais na sua maioria
ligados à Maçonaria, e de alguns teóricos influenciados pelo PCP, como foi o
caso de Salgado Zenha e do próprio Vitorino Magalhães Godinho. A evolução teórica
do movimento, mais de três décadas após a sua constituição, é assim essencialmente
caracterizada mais por razões empíricas de conveniência dos seus operacionais do
que pelas teses dos seus ideólogos ou pelos princípios doutrinários que emanam do
socialismo democrático. Esta caracterização, que viria a ficar célebre quando o
líder da oposição, Francisco Sá Carneiro, acusou o então primeiro-ministro Mário
Soares de meter o socialismo na gaveta com a finalidade de se manter no poder
através de uma coligação com o partido democrata-cristão, CDS, verifica-se frequentemente
na prática seguida desde 1964. Seria
mesmo motivo de algum desdém por parte dos sociais-democratas norte-europeus que
consideravam verdadeiramente ridícula a constante necessidade de demarcação dos
socialistas portugueses em relação à social-democracia, a cuja família queriam pertencer
embora afirmassem ser socialistas democratas e não sociais-democratas. Era um maneirismo
influenciado por François Mitterrand, que a Internacional Socialista considerava
uma expressão de retórica e pura hipocrisia, com o objectivo de parecerem mais progressistas
aos olhos do mundo. Era aliás um sintoma típico do Sul da Europa, que um proeminente
político norte-americano, anos mais tarde,comentaria com ironia, em termos semelhantes
aos de Sá Carneiro.
Mas não obstante a subtil distinção e a demarcação
progressista dos seus principais dirigentes, a verdade é que a adesão dos socialistas
portugueses à Internacional Socialista representa o ponto mais alto do
movimento no período que antecedeu o 25 de Abril de 1974. Na história do PS, a
sua filiação internacional sobressai destacadamente da manifesta pobreza do seu
passado. O PS, sobrevivente apagado dos anos 30, que não resistiu, como organização
autónoma, à repressão e clandestinidade, que no final da Segunda Grande Guerra era
constituído apenas por um pequeno grupo de abencerragens, sem qualquer influência
real no País.
Em 1964, com Ramos
Costa e Tito Morais no exílio, e os grupos de Lisboa, do Porto e de Coimbra,
animados por homens como José Magalhães Godinho, Gustavo Soromenho, Raul Rego, Salgado Zenha,
José Ribeiro Santos, Catanho Menezes, António Macedo, Mário e Carlos Cal
Brandão, Álvaro Monteiro, Costa Melo, Fernando Vale, António Arnaut, António
Campos e mais uma escassa centena de esforçados militantes, espalhados pelo
País, formou-se a Acção Socialista Portuguesa. Iniciaram-se então os primeiros
contactos internacionais. Em 1969, na falsa primavera caetanista, a ASP
dinamizou uma campanha eleitoral semilegal e completamente frustrante, a CEUD.
Era apenas um embrião. Porém, em 1972, no Congresso de Viena, a ASP é admitida
como partido membro na Internacional Socialista. De 1964 a 1972, e mesmo até
1974, só dois acontecimentos de relevo, ambos influenciados do exterior, teriam
lugar na história do movimento: a entrada na Internacional Socialista em 1972 e
a fundação do Partido Socialista em Bad Munstereifel, na República Federal da
Alemanha, em 1973, sob os auspícios da Fundação Friedrich Ebert. Pelo meio só a
frustrante dinamização da Comissão Eleitoral de Unidade Democrática em 1969. No
entanto, esta filiação, quer pela ausência de suporte popular de movimentos de
cariz socialista quer pela sua evidente falta de credenciais ideológicas, seria
vital para a sobrevivência do Partido Socialista. À sua volta iriam
desenrolar-se as principais e quase únicas actividades do movimento socialista
português. Manuel Tito Morais e Francisco Ramos Costa seriam os elementos chave
para o lançamento internacional quer da ASP quer do PS e foi por seu intermédio
que Mário Soares veio a estabelecer as suas primeiras relações internacionais
pelo menos na área da esquerda. Apesar dessa realidade, subsistia um complexo
de inferioridade dos dirigentes socialistas em relação ao PC, que os levava a
fazer declarações mais para agradar à esquerda festiva pequeno-burguesa e sem
qualquer noção dos acontecimentos históricos em que participavam (Tony Benn (The
End of an Era - Diaries 1980-1990, p. 108, Arrow Books, Londres, 1994,
diria, após um encontro com Mário Soares em Lisboa, tê-lo achado, ao contrário
do que esperara, um pobre vaidoso sem uma verdadeira noção dos acontecimentos
históricos em que participava)». In Rui Mateus, Contos Proibidos, Publicações
Dom Quixote, Lisboa, 1996, ISBN 972-20-1316-5.
Cortesia
de Dom Quixote/JDACT