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«(…)
A distância da beira do rio até a ilha não era grande, mas naquela época do ano,
início de verão, o rio estava alto demais para ser atravessado a pé. Muito
tempo atrás, o povo de Lara fizera jangadas simples com galhos amarrados com
tiras de couro, que deixava nas margens do rio, consertando-as e substituindo-as
de acordo com o que fosse necessário. Da última vez em que tinham passado por
ali, havia três jangadas, todas em boas condições, na margem leste. Duas delas
ainda estavam lá, mas faltava uma. Eu a vejo! Lá... encalhada na margem da
ilha, quase escondida entre aquelas folhas, disse Po, cujos olhos eram
perfeitos. Alguém deve tê-la usado para atravessar o rio.
Talvez
eles ainda estejam na ilha, disse Larth. Ele não tinha má vontade quanto a que
outras pessoas usassem as jangadas, e a ilha era grande, bastante para ser
compartilhada. Mesmo assim, a situação exigia cautela. Larth levou as mãos à
boca, formando um cone, e soltou um grito. Não demorou muito e um homem
apareceu na margem da ilha. O homem acenou. Nós o conhecemos? perguntou Larth,
apertando os olhos. Acho que não, disse Po. Ele é jovem..., eu diria que tem a
minha idade ou menos. Parece forte. Muito forte!, disse Lara. Mesmo àquela
distância, a musculatura do jovem estranho era impressionante. Ele usava uma
túnica curta, sem mangas, e Lara nunca tinha visto braços daqueles num homem. Po,
que era pequeno e magro, olhou para Lara de soslaio e franziu o sobrolho. Não
estou gostando muito da aparência desse estranho. Porque não?, disse Lara. Ele
está sorrindo para nós. Na verdade, o jovem estava sorrindo para Lara, e só
para Lara.
O
nome dele era Tarquécio. Muito mais do que isso, Larth não sabia, porque o
estranho falava uma língua que Larth não reconhecia, na qual cada palavra
parecia tão comprida e enrolada quanto o nome do homem. Compreender o alce
tinha sido mais fácil do que compreender os estranhos barulhos emitidos por
aquele homem e seus dois companheiros! Mesmo assim, eles pareciam cordiais, e
os três não representavam ameaça alguma para os comerciantes de sal, mais
numerosos. Tarquécio e os seus dois companheiros mais velhos eram metalúrgicos competentes,
de uma região que ficava a cerca de 320 quilómetros ao norte, onde as montanhas
eram ricas em ferro, cobre e chumbo. Eles tinham feito uma viagem comercial
para o sul e estavam voltando para casa. Assim como o trilho do rio levava o
povo de Larth da costa para as montanhas, uma outra, perpendicular ao rio,
atravessava a longa planície costeira. Pelo facto de a ilha oferecer um lugar
fácil para atravessar o rio, era ali que as duas trilhas se cruzavam. Naquela
ocasião, os comerciantes de sal e os comerciantes de metal chegaram, por
coincidência, à ilha no mesmo dia. Eles agora encontravam-se pela primeira vez.
Os
dois grupos armaram acampamentos separados em lados opostos da ilha. Em sinal
de amizade, falando com as mãos, Larth convidou Tarquécio e os outros para
compartilharem da carne de veado aquela noite. Enquanto anfitriões e convidados
se regalavam em torno do fogo que cozinhava, Tarquécio tentou explicar alguns
detalhes da sua profissão. A luz da fogueira brilhava nos olhos de Lara
enquanto ela via Tarquécio apontar para as chamas e imitar com gestos o acto de
forjar. A luz da fogueira dançava pelos músculos dos braços e dos ombros dele
ao fazer a flexão. Quando ele sorria para ela, o sorriso parecia uma jactância.
Ela nunca vira dentes tão brancos e tão perfeitos. Po viu os olhares que os
dois trocavam e franziu o sobrolho. O pai de Lara viu os mesmos olhares e
sorriu». In Steven Saylor, Roma, 2007, Bertrand Editora, Lisboa, 2008, ISBN
978-972-251-645-7.
Cortesia
de BertrandE/JDACT