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«(…)
No entanto, se fosse até lá acompanhada
pela polícia, isso certamente causaria ressentimentos, transmitindo
a impressão de que eu não podia confiar nem na minha própria família. Segurança!,
bradou meu pai. Precisa de segurança para quê? Alá vai protegê-la de todos que
desejarem fazer-lhe mal! Ninguém da nossa comunidade vai encostar um dedo em si.
Além disso, a nossa família nunca foi conhecida pela cobardia! Aliás, outro
dia, um dos membros mais destacados de nosso clã disse que desejava debater contigo.
Se quiser, posso pedir a eles que reúnam uma delegação para levá-la a Jidá,
para que possa conversar com ele na Arábia Saudita! Por que não convoca uma conferência
de imprensa para anunciar que não é mais uma infiel? Diga a eles que voltou ao
islão e que agora é uma mulher de negócios!
Ri
do meu pai em voz baixa e durante algum tempo dediquei-me apenas ao prazer de
ouvi-lo falar. Então perguntei sobre a sua saúde. Ele respondeu: lembre-se,
Ayaan, que a nossa saúde e a nossa vida estão nas mãos de Alá. Estou a caminho
do além. O que quero, filha querida, é que leia apenas um capítulo do Alcorão. Laa-uqsim Bi-yawmi-il-qiyaama. Ele
recitou, em árabe, é claro, apesar de estarmos conversando em somali, a sura da
ressurreição: juro pelo Dia da Ressurreição! E juro pela alma, constante
censora de si mesma, que ressuscitareis. O ser humano supõe que não lhe
juntaremos os ossos? Sim! Juntar-lhos-emos, sendo Nós Poderosos para
refazer-lhe as extremidades dos dedos. Mas o ser humano deseja ser ímpio, nos
dias que tem à sua frente. Ele interroga Quando será o Dia da Ressurreição? Eu
disse a meu pai que não mentiria para ele e que não acreditava mais no exemplo
do Profeta. Ele interrompeu-me, e o tom de sua voz se tornou apaixonado,
impaciente, depois admoestador. Ele leu para mim outros versos do Alcorão,
traduzindo-os para o somali, e listou muitos exemplos de pessoas que tinham
deixado o islão como eu, mas depois voltaram para a fé. Ele falou das hordas de
não muçulmanos que se convertiam em todo o mundo e a respeito do único Deus
verdadeiro; ele me alertou para não colocar em risco a minha existência no
além.
Enquanto
o ouvia, disse a mim mesma que aquele discurso professoral vinha de um pai que expressava
o seu amor da única maneira que sabia. Queria acreditar que o facto de ele
estar orientando-me significava que, em algum sentido mais profundo, ele tinha
começado a perdoar-me pela pessoa que me havia tornado. Entretanto, acho que
não foi nada disso. Talvez ele estivesse apenas cumprindo o seu dever. O facto
de eu viver como uma ocidental significava que tinha perdido a minha honra; eu
vestia roupas ocidentais, o que para ele não era melhor do que se não usasse
roupa nenhuma. O pior de tudo é que eu tinha abjurado do islão e escrito um
livro com o ousado e triunfante título de Infiel para proclamar a minha apostasia. Mas o meu
pai sabia que a sua vida estava chegando ao fim e queria certificar-se de que
todos os filhos, apesar dos seus erros, estivessem no caminho que leva ao
Paraíso». In Ayaan Hirsi Ali, Nomad, From Islam to America, Nómade, tradução de
Augusto Calil, Companhia das Letras, 2010, ISBN 978-858-086-374-1 e / ou In
Ayaan Hirsi Ali, Nómada, Galaxia Gutenberg, 2011, ISBN 978-848-109-928-7.
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