jdact
O
Sonho de Marisa
«(…)
Marisa mergulhou a cara no emaranhado de cabelos que separava com movimentos de
cabeça, até encontrar o pescoço e as orelhas de Chabela, e agora beijava-as,
lambia as e mordiscava com prazer, já sem pensar em nada, cega de felicidade e
de desejo. Uns segundos ou minutos depois, Chabela tinha dado a volta e ela
mesma lhe procurava a boca. Beijaram-se com avidez e desespero, primeiro nos lábios
e, depois, abrindo as bocas, confundindo as suas línguas, trocando as suas salivas,
enquanto as mãos de cada uma tirava, arrancavam, à outra a camisa de dormir até
ficarem nuas e enredadas; giravam de um lado para o outro, acariciando os seios,
beijando-os, e depois as axilas e os ventres, enquanto cada uma trabalhava o se…
da outra e sentiam-nos palpitar num tempo sem tempo, tão infinito e tão intenso.
Quando Marisa, aturdida, saciada, sentiu, sem poder evitar, que mergulhava num sono
irresistível, conseguiu dizer a si própria que durante toda aquela extraordinária
experiência que acabava de acontecer nem ela nem Chabela, que parecia agora também
arrebatada pelo sono, tinham trocado uma única palavra. Quando mergulhava num vazio
sem fundo pensou de novo no toque de recolher e julgou ouvir uma explosão distante.
Horas
mais tarde, quando acordou, a luz acinzentada do dia entrava pelo quarto um pouco
coada pelas persianas e Marisa estava sozinha na cama. A vergonha estremecia-a dos
pés à cabeça. Aquilo tinha verdadeiramente acontecido? Não era possível, não,
não. Mas sim, claro que tinha acontecido. Ouviu então um barulho na casa de banho
e, assustada, fechou os olhos, simulando dormir. Entreabriu-os e, através das
pestanas, avistou Chabela já vestida e arranjada, prestes a partir. Marisita,
mil perdões, acordei-te. Ouviu-a dizer com a voz mais natural do mundo. Que ideia!,
balbuciou, convencida de que mal se lhe ouvia a voz. Já te vais embora? Não queres
tomar antes o pequeno-almoço?
Não,
querida, respondeu-lhe a amiga: a ela, sim, não lhe tremia a voz nem parecia incómoda;
estava como sempre, sem o menor rubor nas faces e um olhar absolutamente normal,
sem pitada de malícia nem picardia nos seus grandes olhos escuros e com o cabelo
preto um pouco alvoroçado. Vou a correr para apanhar as miúdas antes de elas saírem
da escola. Mil agradecimentos pela hospitalidade. Depois falamos, um beijinho. Atirou-lhe
um beijo da porta do quarto e foi-se embora. Marisa encolheu-se, espreguiçou-se,
esteve quase a levantar-se, mas voltou a encolher-se e a tapar-se com os lençóis.
Claro que aquilo tinha acontecido, e a melhor prova disso é que estava nua, e a
sua camisa de dormir enrugada, meio caída da cama. Levantou os lençóis e riu-se
vendo que a camisa de dormir que tinha emprestado a Chabela estava também ali, um
montinho aos seus pés. Irrompeu num riso que parou de repente. Meu Deus, meu
Deus. Sentia-se arrependida? De todo. Que grande presença de espírito tem Chabela!
Teria ela feito destas coisas, antes? Impossível.
Conheciam-se
há tanto tempo, sempre haviam contado tudo uma à outra, se Chabela tivesse tido
alguma vez uma aventura desta índole ter-lha-ia confessado. Ou será que não? A amizade
delas mudaria por isto? Claro que não. Chabelita era a sua melhor amiga, mais que
uma irmã. Como seria dali em diante a relação entre as duas? A mesma de antes? Agora
tinham um segredo tremendo para partilhar. Meu Deus, meu Deus, não conseguia acreditar
que aquilo tivesse acontecido. Toda a manhã, enquanto tomava banho, se vestia, tomava
o pequeno-almoço, dava instruções à cozinheira, ao mordomo e à empregada, revoluteavam-lhe
na cabeça as mesmas perguntas: fizeste o que fizeste, Marisita?» In
Mario Vargas Llosa, Cinco Esquinas, Quetzal Editores, Lisboa, 2016, ISBN
978-989-722-288-7.
Cortesia de
QuetzalE/JDACT