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«(…) A barreira foi construída, em 1573,
claramente como uma delimitação de fronteira, mas servia também para controlar o
aprovisionamento da colónia, embora o objectivo declarado fosse apenas o de evitar
a incursão dos negros fugitivos de Macau. O portão-barreira, conhecido pelos
portugueses como Porta do Cerco, era aberto periodicamente para abastecer a colónia
de provisões, numa feira, celebrada num espaço cercado para além da barreira, após
a qual esse portão era fechado e selado com seis papéis carimbados. Sobre o portão
havia uma inscrição chinesa: Temei a nossa grandeza e respeitai a nossa virtude,
e nas proximidades foram estacionadas tropas chinesas, um vergonhoso grupo de arruaceiros,
maus, molengões e mal armados, que perseguia os carregadores das provisões para
a feira, e por cuja queixa o capitão-de-terra mandou, certa vez, prender
e açoitar, em Macau, quarenta desses soldados, após o que foram mandados
embora, chorando como crianças, como narrou um missionário contemporâneo. A feira era, a princípio, celebrada de cinco em cinco dias,
periodicidade depois alargada para de quinze em quinze. O resultado desta alteração
não prevista foi a escassez de comida, em consequência da qual os pobres de
Macau morreram de fome.
Ainda
que assumindo outras formas, não era a primeira vez que a colónia experimentava
o maldito jugo dos mandarins. A princípio os direitos chineses de ancoragem
eram exigidos aos barcos portugueses em Macau. Depois, o que originariamente não
era mais do que um suborno, ao qual se alude numa das narrativas chinesas, foi transformado
numa anuidade para o tesouro imperial. O modo como este presente para o Cérbero
veio a ser legalizado como anuidade em forma de foro do chão, é assim
explicado: numa acção ou citação, que, nos princípios do século XVII, os jesuítas
fizeram para atestar os direitos dos portugueses sobre Macau, parece que depois
de lhes ter sido dado o Porto e a Península de Macau, os portugueses pagaram,
além de direitos de ancoragem, uma certa soma como renda que todavia, não era registada
no tesouro imperial, sendo gasta pelo hai-tao, a quem era usualmente
remetida, e que era por esta razão conhecido pelos portugueses como o hai-tao
subornado.
Isto
durou dez ou doze anos. Em 1572, ou por volta disso, quando os portugueses se dirigiam
para uma feira, os mandarins, ataviados de vermelho, saíram de um portão para receber
os direitos habitualmente trazidos, oferecendo aos portugueses bolos e um jarro
de vinho como era seu costume; após o que, o intérprete Pedro Gonçalves, um mestiço,
em conversa com o hai-tao, informou que os portugueses também traziam os
quinhentos taéis a pagar como renda da colónia. Como isto foi dito na presença de
outros mandarins o hai-tao, vendo-se comprometido, respondeu apressadamente que
o dinheiro devia ser enviado ao te-quei porque se destinava ao tesouro imperial.
Desde então, foi pago e recebido como tal.
Assim,
um simples suborno deu origem ao foro do chão, pago não em virtude de qualquer
pacto formal, mas meramente através de condescendência indevida, calculada para
libertar a colónia das medidas vexatórias por parte dos mandarins. É a esta renda
que Ljungstedt e outros chamam tributo, evidentemente para rebaixar ainda mais a
situação da colónia. Neste ponto, contudo, o pagamento do foro não é menos humilhante
do que o de um tributo, talvez até mais, porque enquanto o foro implica, pelo menos,
uma renúncia tárcita ao direito de conquista, um tributo, neste caso, está na categoria
daqueles que, nos tempos passados, mesmo as mais importantes potências marítimas
da Europa pagavam aos estados bárbaros para protecção das vidas e do comércio dos
seus súbditos, sem afectar de maneira alguma e soberania destas potências,
embora o tributo fosse, por vezes, imposto por meio de tratados concluídos para
esse efeito.
Com
o decorrer do tempo, as extorsões a Macau deixaram de ser um exclusivo dos mandarins
distritais. Um velho e ganancioso magnata de Foquien, mal assumiu o cargo de vice-rei
de Cantão, em 1582, mandou que se apresentassem perante ele as principais autoridades
civis, legais e eclesiásticas de Macau para que lhe fosse explicado por que
direitos governavam a colónia, porque, alegava ele, o imperador, ao dar-lhes Macau,
não lhes outorgara qualquer jurisdição sobre o território. As autoridades em questão
não terão concordado com esta prepotência descarada. No entanto, era evidente que
para segurança da colónia, alguém teria que resolver os assuntos em
Shao-king-foo, então a sede vice-real. Como observa Du Halde, a conversa do vice-rei
deu a entender aos portugueses que movido pela cupidez característica dos
vice-reis chineses, este assumia uma atitude agressiva na esperança de ser apaziguado
pela complacência e alguns ricos presentes. E Macau, relata um historiador português,
sabia que a melhor justificação era na forma de camlets de seda, veludos
e cristais, então de alto preço na China. Um homem de leis chamado Penella, de excelentes
relações com os mandarins, foi designado pela comunidade para seguir para
Shao-king-foo com estes presentes, sendo acompanhado por dois jesuítas italianos,
que avidamente se aproveitaram desta oportunidade para fundar a sua missão na
China». In CA Montalto de Jesus, Historic Macao, 1926, colecção História, 1ª
edição em português, 1990, Livros do Oriente, Macau, Fundação do Oriente, ISBN
972-941-801-2.
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