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Os anos da inocência, 1944-1974
«(…) Para ele, o modelo de verdadeiro socialismo
democrático, que se propunha aplicar em Portugal, deveria ser muito diferente
daquele conduzido pela família social-democrata, a que pediria adesão um mês
depois, e passava por uma sociedade na qual os meios de produção [seriam]
colectivizados ao serviço de todos, ao mesmo tempo que os poderes de decisão [seriam]
democraticamente controlados pela base. Vivíamos numa época em que os primeiros
fundadores do movimento socialista contemporâneo português, com relevo para
Mário Soares, defendiam um papel subalterno em relação ao Partido Comunista. O
que em grande parte só não acontecia por razões que, penso, se prendiam mais
com a arrogância e miopia de Álvaro Cunhal e com a sua, já então,
gerontocrática direcção política, do que com a oposição lúcida dos percursores
do PS. Nas três décadas que separam a ditadura militar de 1926 da candidatura
do general Humberto Delgado, em 1958, a oposição portuguesa seria
exclusivamente dominada pelos comunistas, sobretudo após a reorganização do
Partido Comunista Português liderada por Álvaro Cunhal, em 1941. O total
afundamento dos socialistas portugueses após a implantação da República, e a
ausência de outras alternativas democráticas credíveis, impediriam que a
vitória dos Aliados na Segunda Grande Guerra jogasse a favor da implantação de
um regime democrático em Portugal. Os grupos de oposição ao regime salazarista
encontravam-se totalmente dispersos e destituídos de objectivos. As suas poucas
iniciativas não encontrariam o menor eco junto dos portugueses e todos os
contactos com forças democráticas internacionais permaneceriam interrompidos.
As organizações de oposição à ditadura, como Movimento de
Unidade Nacional Anti Fascista (MUNAF) criado em 1943 e, depois, o Movimento de
Unidade Democrática (MUD), eram impulsionados pelo Partido Comunista e não
resistiriam à tentação de apressarem a queda da ditadura por métodos violentos
ao mesmo tempo que, utilizando o nome de alguns democratas, aspiravam a uma
vida legal que proclamava a mudança pela via eleitoral. Assim, o ex-ministro da
1ª República e prestigiado grão-mestre da maçonaria, general Norton de Matos,
enquanto presidente do
MUNAF encabeçaria em Agosto de 1945 o falhado golpe de
estado constituído por
oficiais fiéis ao Partido Comunista e reapareceria, em 1949,
como candidato às eleições
presidenciais sob a bandeira da «Oposição Democrática
Unificada». O MUD,
entretanto, tinha sido dissolvido no ano anterior, em 1948,
após várias tentativas falhadas de golpes de estado e revoltas militares. O
longo período de isolamento internacional dos socialistas e a impotência dos
grupos da chamada oposição democrática para se autonomizarem em relação aos
comunistas impediria os aliados de descortinarem no nosso país a existência de
forças democráticas alternativas e o próprio MUD juvenil seria acusado alguns
anos mais tarde de ser a emanação pura e simples do Partido Comunista.
A situação de marginalidade e de profundas contradições em
que vivia a chamada oposição democrática seria exemplarmente tipificada por um
dos seus dirigentes que garante poder afirmar, com conhecimento de causa, que
[aquele movimento juvenil] não o foi, apesar de um número dos seus dirigentes
estar ligado ao Partido Comunista. É verdade que [o PC] foi um dos seus motores
essenciais, mas não foi o único... De facto, a maior parte dos aderentes não
tinha posição ideológica definida e situava-se numa perspectiva unitária
antifascista! É óbvio que, no limiar da guerra fria, entre o brilhante golpe
estratégico de Salazar posicionando-se, aos olhos dos aliados vencedores, a Grã-Bretanha
e os EUA, como um bastião da luta contra o comunismo e as afirmações do pequeno
grupo de abencerragens, sem qualquer influência real no País de que a oposição
a Salazar era constituída na sua maior parte por aderentes que não tinham
posição ideológica definida e se situavam numa perspectiva unitária antifascista,
era mais convincente a posição do matreiro ditador». In Rui Mateus, Contos Proibidos,
Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1996, ISBN 972-20-1316-5.
Cortesia de Dom Quixote/JDACT