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O
galeão S. Mateus
«(…)
Juan Silva fazia as últimas tentativas de lhe acalmar o ímpeto. Compreendia,
respondia-lhe Sebastião, que houvesse alguns que deixariam de participar na
empresa, se lhes mostrassem os inconvenientes, mas, posto o negócio no ponto a que
chegara, onde no mundo estava homem que volvesse atrás? Entendesse o embaixador
que não era tempo de admitir conselhos...
...
elrey se arde bibo..., por respeito algum suspenderia a jornada de Alarache nem
haveria de diferir uma hora nem meia o seu embarque e partida..., ...el sabado
nos embarcamos..., como homem de bem, não me provi nem fiz nada de quanto é
necessário para ir com ele..., parto para a guerra, embaixador de Sua Majestade,
sem armas nem tendas..., queda-me a esperança de morrer dentro de seis dias... Uma
romaria Lisboa, arraial de ilusão e ligeireza. À miséria dos soldados vindos de
Viana, do Porto, de Aveiro, de Buarcos, recrutados à força, contrariados,
arrancados aos seus e à enxada, seu ganha-pão, metidos tristes aos magotes nos
porões dos barcos, atravessava-se a gralhada, movimento, cor, por terreiros,
pátios, ruas, bodegas, bordéis, de alemães, flamengos e valões de Martim de
Borgonha, hereges, veteranos e calvinistas, acompanhados das mulheres, amantes
e filhos, os seiscentos italianos de Tomás Stukeley, marquês de Leinster, a quem
uma tempestade obrigou a acolher-se a Lisboa e o rei aliciou com grossa quantia
para desviar a sua missão de ir acudir aos católicos irlandeses, os castelhanos
do porto de Santa Maria. Sobre o Tejo não se amanhavam bem as gaivotas, que
voavam de largo, ante tanto tremular colorido de bandeiras, pendões e
galhardetes e não se viam golfinhos a saltarem nas águas, que lhes não deixavam
espaço as zabras, barcas, barinéis, galés, batelões, urcas e caravelas e naus
em que se embarcava soldadesca, armas, provisões, lenha, água, palha para as
cavalgaduras... O terço dos aventureiros, fidalgos portugueses, dava nas vistas
no luxo dos vestidos, no lavrado das armas, no atavio de jóias, na riqueza de
baixelas, no requinte de manjares e vinhos, na corte de criados, no fausto de
tendas de campanha franjadas de ouro, nas colgaduras de seda...
Aos
catorze de Junho da desventurada era de mil e quinhentos e setenta e oito, saiu
el-rei dos seus paços da Ribeira com toda a monarquia deste reino e se foi logo
embarcar na sua galé real e outro dia, que foram vinte e cinco, reunida toda a armada,
partiu barra fora e com próspera viagem seguiu até Lagos, no reino do Algarve,
e em dois dias e meio, com vento em popa, chegou à baía de Cádis, onde ficou
três dias a aguardar que se juntasse toda aquela esquadra, que, se fosse tão
galharda como aparentava, dizia o embaixador Juan Silva, pudieramos ir
confiados de qualquer empresa, pero, conociendola bien, mas se hade confiar en
la ignorancia o impossibilidad de los enemigos que en las fuerzas que llevamos...
Los marineros dicen que es hermosa cosa de.navios si no viniesen cargados de
marmelada... Como podia ser tamanha cegueira?, perguntava abismado o arcebispo.
O cónego Battista esse, de tão incrédulo, não tugia nem mugia. Escutai,
Eminência, escutai. O próprio inimigo me escreveu a desenganar-me..., não sei
qual a causa e razão, rei Sebastião, que te moveu a quereres guerra comigo tão
injusta. Que agravo tu ou os teus tendes de mim?...
… aconselhava-me
a não confiar no xarife, dizia-me que mais queria a minha amizade e vizinhança
que a desse perro, que nos víssemos eu e ele irmãmente... Tu me vens buscar sem
razão e queres guerra comigo injusta... Sabe que isto há-de custar mais vidas
do que pode caber de grãos de mostarda num grande saco. És moço e cavaleiro,
tens quem te aconselhe. Faze-o para tua segurança...» In Fernando Campos, A Ponte dos
Suspiros, 1999, Difel SA, 2000, ISBN
978-972-290-806-1.
Cortesia
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