quinta-feira, 31 de outubro de 2019

Metamorfoses do Espaço Termal no 31. O Caso das Termas de S. Pedro do Sul. Ana Patrícia Carriço. «Das fases empíricas e observação clínica passou-se à fase de investigação e experimentação até à fase actual…»

Cortesia de wikipedia, dona helena almeida e jdact

Com a devida vénia à doutora Ana Patrícia Silva Carriço

Conceitos sobre a Água e Aspectos Históricos
Água
«(…) A influência da religião durante a Idade Média conduziu a um declínio no uso da água como forma de curar. Esta atitude persistiu até ao século XV, quando ressurgiu o interesse pelo uso da água como meio curativo. Durante esta época, as ervas não produziam as curas desejadas e a sociedade voltou-se novamente para as propriedades terapêuticas da água, recuperando o seu uso. A utilização da água transformou-se assim numa prática esporádica e anual, que ocorria num simples recipiente de água ou com recurso a panos húmidos para as limpezas diárias. Assim, a água na Idade Média e nos períodos mais próximos que se seguiram foi sempre um bem pouco explorado. Poucas cidades do século XVI, possuíam sistemas de abastecimento de água, existindo pouco mais do que fontanários públicos. As primeiras tentativas para entubar a água foram realizadas no século XVII. Nas povoações mais pequenas, os habitantes bebiam águas dos poços, mal protegidos de infiltrações, o que fazia com que as doenças intestinais fossem muito comuns, verificando-se este caso nas pessoas que saíam das cidades ou que chegavam depois de longas viagens. Nos séculos XVII e XVIII os banhos, como propostas higiénicas, não eram aceites como práticas, mas o uso da água como forma terapêutica começou a ressurgir gradualmente. A disciplina médica começa a referir a hidroterapia definida por Wyman e Glazer (1944) como a aplicação externa da água para tratamento de qualquer forma de doença. Também em Inglaterra, França, Alemanha e Itália se promovem aplicações internas (ingestão) e externas (compressas quentes e frias e banhos) e o tratamento de várias doenças (Martin, 1981). Em 1697, John Floyer (in Mosqueira et al., 2009) com a publicação do tratado An Inquiry into the Right Use and Abuse of Hot, Cold and Temperature Bath muito influenciou Frederich Hoffman e Curie, nos seus ensinamentos e experiências. Também John Wesley (Yrigoyen, 1996) publicou em 1747 o livro An Easy and Natural way of Curing Most Disease que relata como o uso da água é uma forma de cura. No renascimento, o uso da água e as práticas termais foram amplamente divulgadas, e o recurso à hidroterapia cresceu.
Com um maior conhecimento e difusão cada vez maior, ninguém ficou indiferente aos poderes e qualidades da água. Neste ponto da história, o uso desta substância, prosseguiu com técnicas que incluíam lençóis, compressas, fricção, banhos, etc. Em 1830,o salesiano, Vicent Priessnitz desenvolveu programas que usavam primariamente banhos ao ar livre, tendo publicado em 1842 o livro The Cold Water Cure, its principals, theory, and practice em que dava indicações para a autoaplicação dos tratamentos bem como relatava a evolução desses mesmos tratamentos em inúmeros pacientes. Durante esta época também Sebastian Kniepp (1821-1897), um padre bávaro, modificou as técnicas anteriores de tratamento alternado a temperatura da água (que consistiam em banhos frios, e banhos de chuveiro, mas que devido a não ser reconhecido pela comunidade cientifica foi desacreditado; alternando as aplicações frias com mornas e banhos quentes parciais, também fazia tratamentos com chuveiros a diferentes temperaturas com finalidades curativas, tornando-se a Kniepp Cure popular na Alemanha, norte de Itália, Holanda, França sendo utilizada até hoje).
Também Winterwita (1834-1912) professor austríaco e fundador da Escola de Hidroterapia e Centro de Pesquisa de Viena, bem como o dr. Simon Baruch usaram e estudaram os métodos do uso da água como tratamento de várias doenças, como a gripe, insolações, tuberculose, reumatismo crónico, gota, etc, publicando diversos livros.

No entanto a época de grande esplendor da utilização da água, nomeadamente em tratamentos, foi o século XX, quando factores sociais e científicos deram um passo gigantesco para o seu reconhecimento. Foram tempos de desenvolvimento científico, médico, geológico ou químico entre outros, que contribuíram para o desenvolvimento da aplicação da água. Algumas universidades como na Áustria, como a Universidade de Viena, ajudaram a compreender e a melhorar as técnicas, o funcionamento do corpo humano, contribuindo assim para um melhor diagnóstico. As duas guerras mundiais, especialmente a Segunda, salientaram a necessidade do uso da água para os exercícios e a manutenção do condicionamento dos soldados. Agiram como precursoras para o ressurgimento actual do uso da água em piscina e a utilização da imersão total como uma forma de reabilitação para uma ampla faixa de doenças.

No século XX a água termal é sujeita a experimentações científicas e observações clínicas. O saber científico aperfeiçoa-se. A hidroterapia e a medicina avançam e em finais do século XX o ritmo de vida acelerado faz com que se veja que é necessária uma pausa. Assim, a hidroterapia ressurge em forma de balneários, novas instalações sobre construções antigas que proporcionam tranquilidade, repouso e tratamentos variados que permitem uma boa qualidade de vida e bem-estar. Das fases empíricas e observação clínica passou-se à fase de investigação e experimentação até à fase actual em que se junta a vertente preventiva, a curativa, e a de lazer». In Ana Patrícia Carriço, Metamorfoses do Espaço Termal, O Caso das Termas de S. Pedro do Sul, Tese para obtenção do Grau de Doutor em Arquitectura, Universidade da Beira Interior, Faculdade de Engenharia, Covilhã, 2013.

Cortesia de UBeiraInterior/JDACT