Cortesia
de wikipedia e jdact
«(…) Ele gelaram na escuridão.
O barulho constante do velho gerador a diesel, que ficava no barracão atrás do
bosque de palmeiras, tinha cessado. Era algo que eles só percebiam quando se
fazia silêncio. Seus olhos ajustaram-se à fraca luminosidade das estrelas que
entrava pelo terraço. Duraid atravessou o estúdio e pegou o lampião a querosene
na prateleira ao lado da porta, ali colocado exactamente para tais
contingências. Acendeu-o e dirigiu-se a Royan com uma cómica expressão de
comiseração. Vou ter de ir lá em baixo... Duraid!, ela o interrompeu. O
cachorro... Ele parou para ouvir, agora mais interessado. O cachorro não latia
mais. Tenho certeza de que não é nada sério. Ele foi para a porta e, sem saber
porquê, ela chamou-o de volta. Duraid, tenha cuidado! Ele deu de ombros e saiu
para o terraço. Por um momento, Royan achou que fosse a sombra da parreira
balançando ao vento do deserto, mas não havia vento. Depois se deu conta de que
um homem atravessava o pátio pavimentado sorrateiramente, aproximando-se de
Duraid por trás enquanto ele contornava o pequeno tanque de peixes ao centro. Duraid!
Ele virou-se ao ouvir o grito e ergueu o lampião.
Quem é você? O que quer aqui? O
intruso chegou bem perto dele, em silêncio. A tradicional túnica longa, a dishdasha,
enrolava-se nas suas pernas, e o turbante branco, o ghutrah, cobria-lhe
a cabeça. À luz do lampião, Duraid viu que o rosto estava escondido sob o
turbante. Como o homem estava de costas para ela, Royan não viu a faca na sua
mão direita, mas percebeu nitidamente o movimento rápido contra a barriga de
Duraid. Ele gemeu e curvou-se de dor, enquanto o atacante erguia a lâmina e
desferia outro golpe; dessa vez Duraid deixou cair o lampião e segurou a mão do
outro. A chama do lampião espalhou-se pelo chão. Os dois homens lutavam na
penumbra, e Royan viu que uma mancha escura cobria a frente da camisa do seu
marido.
Corra!, gritou. Vá procurar
ajuda! Não posso dominá-lo. Duraid era uma pessoa gentil, um homem pacífico,
habituado a leituras e estudos. Podia ser vencido facilmente. Vá! Por favor!
Salve-se, minha flor! Ele estava perdendo as forças, mas continuava segurando
desesperadamente o pulso do agressor. Ela estivera paralisada pelo choque e
pela indecisão durante alguns segundos fatais, mas então saiu do estupor e
correu para a porta. Impelida pelo terror e pela necessidade de procurar ajuda
para Duraid, atravessou o terraço com a agilidade de um gato, enquanto ele
tentava impedir que o intruso lhe bloqueasse o caminho. Ela saltou a mureta de
pedra e praticamente caiu nos braços de um segundo homem. Aos gritos,
contorceu-se para escapar, enquanto os dedos do estranho lhe arranhavam o
rosto, e só não conseguiu porque eles se engancharam no fino tecido de sua
blusa. Desta vez ela viu a faca, a lâmina brilhante à luz das estrelas, e isso
lhe deu novas forças. A blusa rasgou e deixou-a livre, mas não a tempo de
escapar da lâmina. Royan sentiu a ferroada no braço e chutou o homem com toda a
intensidade de seu pânico e de sua juventude.
O pé atingiu-lhe a carne macia do baixo-ventre com uma força que ela sentiu
repercutir até o tornozelo e os joelhos; o atacante deu um grito e caiu
ajoelhado.
Ela saiu correndo pelo bosque de
palmeiras. A princípio corria sem nenhuma direcção, simplesmente para se
afastar o mais rápido possível dali. Aos poucos o pânico foi sendo controlado.
Royan olhou para trás e viu que ninguém a seguia. Ao se aproximar do lago,
parou um pouco para recuperar as forças, e só então se deu conta de que o sangue
escorria pelo seu braço e pingava das pontas dos dedos. Apoiada no caule de uma
palmeira, ela rasgou uma tira da própria roupa e tentou desajeitadamente
enrolá-la no braço. Tremia tanto que mesmo a mão sadia mostrava-se impotente e
canhestra. Conseguiu amarrar a tosca bandagem com a ajuda dos dentes e da mão
esquerda, e o sangramento diminuiu». In Wilbur Smith, O Sétimo Papiro,
1995, Editora Best Seller, 2004, ISBN 978-853-321-159-9.
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