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Poetas Santões e Filósofos do Ocidente do Ocidente
«(…) Abu Mohammad Ibn Sara
Assantarini (o santareno) (+1123) comparava os relâmpagos a um abissínio que ri
com as suas lágrimas. Cantou o papeleiro, a laranjeira, a beringela, o tanque
com tartarugas que lembravam soldados cristãos com os seus escudos de alce.
Cantou a estrela cadente, cavaleiro a quem, na rapidez do galope, se lhe
desatasse o turbante/ e o arrastasse atrás de si como um véu que flutua.
Uma ética hedonista e
céptica transparece nalguns versos, por exemplo no Poema da Serra Nevada:
Quando sobre a vossa
terra sopra o vento norte
que felicidade para um
pobre pecador
gozar as fornalhas do
inferno…
Se um dia entrar nos
tormentos do inferno
será num dia tão
rigoroso
em que até o inferno
há-de ser bom.
Ou no claro poema:
Quando me visitou senti
desejo de beijá-lo
e duas vezes o beijei em
cada face.
Disse depois: por favor,
deixa que beije
a tua boca
prefiro as brancas
margaridas às rosas vermelhas.
Noutro poema tomou o
amor udri como
companheiro e afirmava que a castidade é virtude/ quando aquele que a observa/
tem a plenitude física. E apontava como guia da acção o binómio facto-consequência.
O sul de Portugal foi terra de sufis, os místicos muçulmanos. Ibn Kasi, Abu
1-Kasim Ahmad b. Husayn (+1152). De origem moçárabe nasceu no termo de Silves.
Durante a mocidade só pensou nos prazeres do mundo. Depois abraçou a vida
ascética. Deu em esmola os seus bens e percorreu o Andaluz a pregar o desprezo
pelos bens deste mundo. Em Almeria conheceu o sufi Ibn Al-Arif (+Marraquexe
1141) quando este embarcava para Marrocos.
Regressado à aldeia
natal dedicou-se à leitura dos livros de Al-Gazallí espalhando as suas
doutrinas. Em breve tomou o título de mahdi (o imã encoberto).
Perseguido, conseguiu escapar mas alguns dos seus seguidores foram presos pelos
almorávidas em Sevilha. Em 539, os seus seguidores, os muridun (os adeptos, aspirantes
à vida mística) assenhorearam-se da praça forte de Mértola. Évora, Silves,
Beja, Huelva e Niebla apoiaram o mahdi. Mais tarde, Ibn Wazir, senhor de
Évora e Beja e a seguir de Badajoz e a quem os lisboetas cercados pediram auxílio
em 1147, subleva-se contra Ibn Kasi que se dirige a África a incitar o
desembarque dos almóadas. Regressa com o exército africano e torna-se
governador de Silves.
Pouco depois quer
sacudir o domínio dos almóadas e pede auxílio a Afonso Henriques que lhe manda
um cavalo, um escudo e uma lança. Descontentes, os habitantes de Silves usam um
ardil para entrar no Alcácer das Varandas. Entrados, cortam a cabeça do sufi e
exibem-na na ponta de uma lança: eis aqui o mahdi dos cristãos!
Escreveu o livro Os dois Sapatos Descalços de
que existe um manuscrito na biblioteca de Constantinopla. Segundo os seus detractores,
afirmava que fizera a peregrinação a Meca durante uma noite; transmitia
mentalmente o pensamento; gastava dinheiro do tesouro de Deus, só que este
dinheiro levava o cunho dos almorávidas.
Al-Uryani, Abu Yafar (século XII). Camponês,
natural de Loulé, não sabia ler nem escrever mas foi o primeiro e um dos mais
importantes mestres de Ibn Al-Arabi em Sevilha. Quando falava da ciência da unificação,
não havia outra coisa a fazer senão ouvir. Com a sua só intenção fixava as
ideias como se as consignara por escrito e com a sua palavra punha a descoberto
a realidade positiva dos seres. Dedicava o tempo à oração mental, previamente
purificado pela ablução ritual e voltado para Meca». In António Borges Coelho, Tópicos para a História da Civilização e das
Ideias no Gharb al-Ândalus, Instituto Camões, Colecção Lazúli, 1999,
IAG-Artes Gráficas, ISBN 972-566-205-9.
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