Cortesia
de wikipedia e jdact
«(…)
A mãe insistira em voltar a
Inglaterra, à sua cidade natal, York, para o nascimento da filha. Queria que
tivesse cidadania britânica. Depois da separação dos pais, Royan, novamente por
insistência da mãe, voltara à Inglaterra para estudar, mas todos os feriados eram passados com o pai no Cairo. Ele prosperou
muito na sua carreira e acabou chegando ao nível ministerial no governo de
Mubarak. Por amá-lo muito, Royan considerava-se mais egípcia do que inglesa. O
casamento com Duraid Al Simma fora arranjado pelo seu pai: a última coisa que
ele fez pela filha antes de morrer. Por estar à beira da morte, ela não teve
coragem de desafiá-lo. Pela sua educação moderna, Royan resistia à tradição
copta dos casamentos arranjados, mas tinha contra si as suas raízes, a família
e a Igreja. Por fim aquiesceu. Estar casada com Duraid não era tão insuportável
quanto ela havia temido. Seria mesmo muito bom e prazeroso se ela nunca se tivesse
apaixonado. Entretanto, mantivera um romance com David quando estava na
universidade. Ele a arrastara para uma confusão, um delírio mental e, por fim,
a uma grande dor de cabeça, quando a abandonara para se casar com uma loira
inglesa, bem mais ao gosto de seus pais. Royan respeitava Duraid e gostava
dele, mas às vezes ardia de vontade de ter um corpo firme e jovem sobre o seu.
Duraid falava, mas ela não estava
ouvindo. Voltou a dar-lhe atenção. Falei outra vez com o ministro, mas não me
parece que ele esteja acreditando. Acho que Nahoot o convenceu de que sou meio
louco. Ele sorriu com tristeza. Nahoot Guddabi era o seu ambicioso e bem
relacionado assessor. Seja como for, o ministro diz que não há mais recursos do
governo disponíveis e que eu deveria buscar outros financiamentos. Então, estou
novamente com a lista de possíveis patrocinadores, que já reduzi a quatro. É
claro que há o Museu Getty, mas nunca me agradou trabalhar com instituições
grandes e impessoais. Prefiro prestar contas a um só homem. As decisões são
sempre mais fáceis. Nada disso era novo para ela; mesmo assim o ouvia. Há
também Herr Von Schiller. Ele tem dinheiro e se interessa pelo assunto, mas não
o conheço bem para confiar nele totalmente.
Ele fez uma pausa; Royan já ouvira as suas queixas tantas vezes que podia até
se antecipar: porque não o americano? É um colecionador famoso. Peter Walsh é
um homem difícil de se trabalhar. A sua mania de acumular bens faz dele um
inescrupuloso. Isso me assusta um pouco. Quem sobra, então?, perguntou.
Ele não respondeu, pois ambos
conheciam a resposta. Em vez disso, voltaram ao material aberto sobre a mesa. Parece
tão inocente, tão banal. Um velho rolo de papiro, algumas fotos, anotações,
páginas impressas de computador. É difícil acreditar que possa ser tão perigoso
se cair em mãos erradas. Ele suspirou. Diria até mortalmente perigoso. Ele riu
de si mesmo. Já estou começando a fantasiar... Talvez porque já seja tão tarde.
Vamos voltar ao trabalho? Podemos ocupar-nos desses assuntos depois de
decifrarmos os quebra-cabeças que nos foram colocados por esse velho patife,
Taita, e concluirmos a tradução. Ele pegou na primeira foto da pilha que estava
à sua frente. Era um trecho da parte central do papiro. É muito azar que o
fragmento danificado esteja exactamente nesse ponto. Ele pôs os óculos de
leitura e leu em voz alta: são muitos os degraus da escada que leva à moradia
de Hapi. Com grande dificuldade e esforço alcançamos o segundo, e não fomos
adiante, pois foi aí que o príncipe teve a revelação. Em sonho, o seu pai, o
Deus Faraó morto, visitou-o e ordenou: venho de muito longe e estou exausto.
Aqui descansarei por toda a eternidade. Duraid tirou os óculos e olhou para
Royan. O segundo degrau. É uma descrição precisa. Taita não está sendo sinuoso
como de hábito. Voltemos às fotos do satélite, sugeriu Royan, puxando o papel
brilhante. Duraid contornou a mesa e ficou atrás dela. A mim parece mais lógico
que o acidente natural que os bloqueou
no desfiladeiro seja uma série de corredeiras ou cachoeiras. Se houvesse uma
segunda cachoeira, eles estariam aqui. Royan pôs o dedo no ponto da foto em que
um rio estreito serpenteava por entre maciços de montanhas. Nesse instante algo
chamou a sua atenção e ela ergueu a cabeça. Ouça!, disse num tom alarmado. O
que foi?, Duraid também olhou. O cachorro. Maldito vira-lata! Vive nos
assustando com os seus latidos. Prometo que ainda me vou livrar dele. Nesse
instante a luz apagou-se». In Wilbur Smith, O Sétimo Papiro,
1995, Editora Best Seller, 2004, ISBN 978-853-321-159-9.
Cortesia de EBSeller/JDACT