Cortesia
de wikipedia e jdact
«(…) A dama de negro
permaneceu em silêncio por quase cinco minutos ao pé do túmulo. Finalmente, inclinou-se,
depositou a rosa vermelha na lápide e foi embora lentamente, assim como tinha vindo.
Como uma aparição. Marina olhou para mim de um jeito nervoso e aproximou-se para
cochichar alguma coisa no meu ouvido. Senti os seus lábios roçando a minha
orelha e uma lagarta com patinhas de fogo começou a dançar um samba na minha
nuca.
Encontrei-a por acaso há três meses,
quando vim com Germán para depositar flores no túmulo da sua tia Reme... Ela
vem sempre no último domingo do mês às dez da manhã e deixa uma rosa vermelha sobre
essa lápide, explicou Marina. Usa sempre a mesma capa com capuz e luvas. Vem sempre
sozinha. Nunca mostra o rosto. Nunca fala com ninguém. Quem está enterrado aí? O
estranho símbolo entalhado no mármore despertava a minha curiosidade. Não sei.
No registo do cemitério não aparece nenhum nome... E quem é essa mulher? Marina
ia responder quando viu a silhueta da dama de negro desaparecendo pelo portão
do cemitério. Puxou-me com a mão e levantou-se apressada. Rápido. Vamos
perdê-la. Então vamos segui-la?, perguntei. Você não queria acção?, disse ela,
a meio caminho entre a pena e a irritação, como se eu fosse um bobo.
Quando chegámos à rua Dr. Roux, a
mulher de negro estava caminhando em direcção à Bonanova. Tinha voltado a chover,
embora o Sol teimasse em não se esconder. Seguimos a mulher através daquela
cortina de lágrimas de ouro. Cruzámos o Paseo de la Bonanova e subimos até ao
sopé das montanhas, povoado de palacetes e mansões que já tinham conhecido
tempos melhores. A dama penetrou naquela rede de ruas desertas. Um manto de
folhas secas cobria o chão, brilhantes como as escamas abandonadas de uma
grande serpente. Quando chegou a um cruzamento, ela se deteve, uma estátua
viva. Ela nos viu..., sussurrei, refugiando-me com Marina atrás de um grosso
tronco de árvore sulcado de inscrições. Por um instante, temi que ela se fosse virar
e ver-nos. Mas não. Em pouco tempo, dobrou à esquerda e desapareceu. Marina e eu
nos entreolhamos e recomeçámos a nossa perseguição.
O seu rasto nos levou a uma viela
sem saída cortada pelo trecho descoberto dos carris do caminho-de-ferro de
Sarriá, que subiam até Vallvidrera e Sant Cugat. Parámos ali. Não havia sinal
da dama de negro, embora eu tivesse visto, e Marina também, quando ela dobrou
naquela altura. Por cima das árvores e dos telhados das casas, viam-se as
torres do internato à distância. Deve ter entrado em casa, comentei. Deve morar
aqui por perto. Não. Essas casas estão desabitadas. Ninguém vive aqui. Marina
indicou as fachadas ocultas atrás de cercas e muros. Um par de velhos armazéns abandonados
e um casarão devorado pelas chamas, décadas antes, era tudo o que restava de pé.
A dama de negro tinha sumido debaixo dos nossos narizes.
Seguimos pela viela. Uma poça reflectia
uma lâmina de céu aos nossos pés. Gotas de chuva turvavam a nossa imagem. No final
da rua, um portão de madeira balançava movido pelo vento. Marina olhou para mim
em silêncio. Chegámos mais perto e cuidadosamente me debrucei para dar uma espreitadela.
O portão, preso num muro de ladrilhos vermelhos, dava para um pátio. O que em outra
época era um jardim agora estava completamente tomado pelas ervas daninhas. Por
trás daquela massa verde, adivinhava-se a fachada de um estranho edifício
coberto de hera. Demorei alguns segundos para entender que se tratava de uma
estufa de vidro armada sobre um esqueleto de aço. As plantas rangiam como um
enxame à espreita». In Carlos Ruiz Zafón, Marina, 1999, Planeta Editora, 2010, ISBN 978-989-657-119.1
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