Cortesia
de wikipedia e jdact
«(…) Uma lufada de hálito fétido
a engolfa e ela se esforça ao extremo para não apanhar o saché de ervas
aromáticas que leva pendurado no cinto. Não estou me escondendo, majestade, só
impressionada. Ela mantém o olhar no peito dele. O seu gibão branco e preto
intricadamente bordado, que de perto se nota ser incrustado de pérolas, parece
mantê-lo unido, as dobras nas beiradas dando a impressão de que se ele o
despisse perderia completamente a forma. Oferecemos nossas condolências pelo
falecimento de seu marido, ele diz, estendendo a mão para ela beijar o anel,
que está encravado na carne de seu dedo do meio. É muita bondade, majestade.
Katherine ousa olhar de relance para o rosto do rei, redondo e massudo, os
olhos de passas afundados no meio, e pergunta-se o que aconteceu com o homem
magnífico que foi um dia. Disseram-me que cuidou bem dele. Todos conhecem sua
habilidade para cuidar de enfermos. Um homem velho precisa de cuidados. Em
seguida, antes que tivesse chance de responder, ele se inclina para perto da
sua orelha, próximo o suficiente para ela ouvir o chiado da sua respiração e
sentir uma lufada de colónia. É bom vê-la de volta à corte. Parece apetitosa
mesmo vestida de luto.
Katherine sente o rubor subindo e
procura uma resposta, mas só consegue murmurar algumas palavras de gratidão. E
quem é esta?, ele diz com estrondo, felizmente pondo fim ao momento de
intimidade. Está acenando na direcção de Meg, que se abaixa fazendo uma profunda
cortesia. É minha enteada, Margaret Neville, anuncia Katherine. Levante-se,
garota, diz o rei. Queremos vê-la direito. Meg obedece. Katherine percebe o
tremor nas suas mãos. E dê uma volta, ordena ele. Depois de Meg girar para ele
como uma égua em leilão, o rei grita BU!, fazendo-a saltar para trás,
aterrorizada. Coisinha nervosa, não é?, ele ri. Ela não está acostumada com a
corte, majestade, Katherine responde.
Precisa de um companheiro que
quebre a sua resistência, ele afirma, depois pergunta a Meg: alguém aqui a atrai?
Seymour está por perto e Meg olha brevemente na sua direcção. Ah! Vemos que está
de olho em Seymour, exclama o rei. Um belo
tipo, não acha? N-n-não, gagueja
Meg. Katherine lhe dá um chute na canela. Acho que o que ela está querendo dizer
é que Seymour não é nada quando comparado a vossa majestade, intervém, a voz
lisa como óleo, mal acreditando que tais coisas possam sair tão facilmente de
sua boca. Mas falam dele como o homem mais bonito da corte, responde o rei. Hummm,
diz Katherine, a cabeça pendendo para um lado, pensando na melhor maneira de
responder. É uma questão de opinião. Alguns preferem a maturidade. O rei emite
uma gargalhada ruidosa e diz: acho que vamos arranjar um casamento entre a sua
Margaret Neville e Thomas Seymour. Meu cunhado com a sua enteada… soa bem.
Segurando
ambas pelo cotovelo, ele as dirige para uma mesa de jogos na outra ponta da
sala. Katherine não consegue pensar numa maneira de desencorajar o casamento
educadamente, então permanece calada. Duas cadeiras são trazidas às pressas
pelos criados e o rei se senta com esforço em uma delas, fazendo sinal para
Katherine se sentar na outra. Um tabuleiro de xadrez aparece magicamente do
nada e o rei pede a Seymour que disponha as peças. Katherine não ousa sequer
olhar de relance na direcção dele, por medo de que a confusão de sentimentos
que se contorce dentro dela chegue à superfície. Está ciente do olhar afiado de
Lady Lisle, ao lado da filha; quase pode ouvir os pensamentos da mulher
maquinando como promover a sua garota, educá-la, treiná-la, para apanhar os
maiores peixes no mar. Deve estar feliz com o facto de Katherine, duas vezes viúva
e com mais de trinta anos, não ter como competir com Anne no completo vigor da
juventude. Se ele quer filhos vai escolher Anne Bassett ou uma menina como ela.
E ele quer filhos, todo mundo sabe. Katherine faz a sua jogada. Gambito de dama
aceito, diz o rei, apanhando o peão branco e rolando-o entre os dedos gordos. V.
quer me atrair para o meio do tabuleiro. Ele olha para ela, os olhos encovados
dardejando, a respiração chiando como se não houvesse espaço para ar dentro
dele. Movimentam-se para a frente e para trás, rapidamente e em silêncio». In Elizabeth Fremantle,
Xeque-mate da Rainha, 2013, Editora Paralela, Editora Schwarcz, 2016, ISBN
978-858-439-003-8.
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