sábado, 2 de dezembro de 2023

Os Pilares da Terra. Ken Follett. «Havia um andaime no lado leste, com uns oito ou nove metros de altura. Os pedreiros estavam na varanda, esperando que a chuva amainasse, mas os seus serventes subiam e desciam as escadas com pedras nos ombros»

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«A cidade era barulhenta, também. A chuva pouco fazia para amortecer o clamor das oficinas de artesãos, dos vendedores ambulantes apregoando suas mercadorias, das pessoas se cumprimentando, barganhando e discutindo, de animais relinchando, latindo e brigando. Que fedor é esse? - perguntou Martha, erguendo a voz acima do barulho. Tom sorriu. Fazia uns dois anos que ela não entrava numa cidade. É o cheiro de gente, respondeu. A rua era apenas um pouco mais larga do que o carro de boi, mas o carroceiro não quis deixar que os animais parassem, com medo de que não voltassem a andar novamente; assim, continuou batendo neles, ignorando todos  os obstáculos, e os bois prosseguiram forçando o caminho por entre a multidão, empurrando para o lado, indiscriminadamente, tanto um cavaleiro montado num cavalo de batalha quanto um morador da floresta com um arco, um monge gordo num pónei, homens de armas, mendigos, donas de casa ou prostitutas.

O carro de boi veio a ficar atrás de um velho pastor que lutava para manter reunido um pequeno rebanho. Devia ser dia de mercado, pensou Tom. Quando o carro passou, uma das ovelhas entrou pela porta aberta de uma venda de cerveja, e num segundo todo o rebanho estava dentro da casa, em pânico, balindo e derrubando mesas, bancos e jarras de cerveja. O chão que pisavam era um mar de lama e de lixo. Tom tinha a capacidade de observar, num relance, a queda da água da chuva num telhado, e a largura da calha necessária para fazer o escoamento; podia ver que toda a chuva que caía sobre os telhados daquela parte da cidade era drenada pela rua onde estavam. Num temporal forte mesmo, pensou, seria preciso um barco para atravessá-la.

À medida que se aproximavam do castelo na parte mais alta da colina, a rua se alargava. Ali havia casas de pedra, uma ou duas precisando de alguns reparos. Pertenciam a artesãos e comerciantes, que tinham suas lojas e oficinas no térreo e moravam no andar de cima. Examinando com o olhar de quem tinha prática aquilo que estava à venda, Tom podia afirmar que aquela era uma cidade próspera. Todos precisam de ter facas e panelas, mas só gente próspera compra xailes bordados, cintos decorados e broches de prata. Em frente ao castelo o carroceiro fez a parelha de bois virar à direita, e Tom e sua família o seguiram. A rua fazia uma curva de um quarto de círculo, rodeando as defesas do castelo. Passando por outro portão, deixaram o tumulto da cidade tão rapidamente quanto tinham entrado nele e ingressaram num tipo diferente de turbilhão: a diversidade agitada mas ordenada de uma área onde se erguia uma grande construção.

Estavam agora do lado de dentro do adro murado da catedral, que ocupava toda a quarta parte da cidade circular, a noroeste. Tom parou por um momento, observando. Só de ver, ouvir e cheirar aquilo ele se sentia emocionado como num dia de sol. Quando chegaram, à rectaguarda do carro de boi, dois outros saíam, vazios. Em oficinas que se estendiam ao longo das paredes laterais da igreja, pedreiros podiam ser vistos esculpindo os blocos de pedra com seus cinzéis e grandes martelos de madeira, dando-lhes as formas que juntas resultariam em plintos, colunas, capitéis, fustes, arcobotantes, arcos, janelas, peitoris, pináculos e parapeitos. No meio do adro, bem longe das outras edificações, ficava a ferraria, cujo clarão do fogo era visível através do portal; o barulho metálico do martelo batendo na bigorna se espalhava pelo adro, enquanto o ferreiro fazia novas ferramentas para substituir as que os pedreiros iam gastando. Para a maioria das pessoas era uma cena de caos, mas Tom via um imenso e complexo mecanismo que ele ansiava por controlar. Sabia o que cada homem estava fazendo e podia ver instantaneamente até que ponto o trabalho tinha progredido. Estavam construindo a fachada leste.

Havia um andaime no lado leste, com uns oito ou nove metros de altura. Os pedreiros estavam na varanda, esperando que a chuva amainasse, mas os seus serventes subiam e desciam as escadas com pedras nos ombros. Mais acima, no vigamento da estrutura do telhado, estavam os encanadores, como aranhas rastejando numa gigantesca teia de madeira, prendendo folhas de chumbo nos pontos de junção das escoras e instalando os canos de escoamento e as calhas. Tom percebeu que a construção, lamentavelmente, estava quase terminada. Se fosse contratado, o trabalho que restava ali não duraria mais que dois anos, não era tempo bastante para ascender à posição de mestre pedreiro, quanto mais de mestre construtor. Mesmo assim, aceitaria o emprego, pois o inverno estava chegando. Ele e a família poderiam sobreviver sem trabalho, caso ainda tivessem o porco. Mas sem ele, Tom precisava arranjar serviço». In Ken Follett, Os Pilares da Terra, 1989, Editorial Presença, 2007, ISBN 978-972-233-788-5

Cortesia de EPresença/JDACT

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