«Tanto Tom quanto Agnes pararam para encará-lo, e como bloquearam seu caminho, ele não pôde deixar de vê-los. Bem?, exclamou, intrigado com aqueles olhares fixos e impaciente para passar.
Foi Martha quem quebrou o silêncio. É
o nosso porco!, gritou excitadamente. É mesmo, confirmou Tom, olhando para o açougueiro
de igual para igual. Por um instante uma expressão furtiva cruzou o rosto do
homem, e Tom percebeu que ele sabia que o porco fora roubado. Mas ele disse: Acabei
de pagar cinquenta pence
por este porco, o que faz com que seja meu. Seja quem for a pessoa a quem
deu seu dinheiro, o porco não era dela. Sem dúvida foi por esse motivo que você
pagou tão pouco. De quem o comprou? De um camponês. Você o conhecia? Não.
Escute. Sou o açougueiro da guarnição. Não posso pedir a cada fazendeiro que me
venda um porco ou uma vaca que traga doze homens a fim de jurar que o animal é
dele, e que pode vendê-lo, se quiser.
O
homem virou-se de lado como se fosse embora, mas Tom pegou-o pelo braço e o
deteve. Por um momento o açougueiro ficou zangado, mas depois deu-se conta de
que se se metesse numa briga teria de largar o porco e, se uma das pessoas da
família de Tom conseguisse apanhá-lo, o equilíbrio do poder se modificaria e
precisaria provar sua propriedade. Assim, ele se conteve e disse: Se quer fazer
uma acusação, vá ao xerife. Tom pensou na sugestão e abandonou-a. Não tinha
provas. Em vez disso, perguntou: - Como era o homem que lhe vendeu o meu porco?
Como todo o mundo, respondeu o açougueiro, com uma expressão velhaca. Ocultava
a boca? Agora que estou pensando nisso, sim. Era um fora-da-lei, escondendo uma
mutilação, disse Tom amarguradamente. Suponho que não pensou nisso. - Está
chovendo demais!, protestou ele. Todos estamos embuçados. Basta que me diga há
quanto tempo ele vendeu o porco e afastou-se. Ainda agora. E para onde foi? Para
uma cervejaria, creio. A fim de gastar meu dinheiro - disse Tom, enojado. Ande,
suma daqui. Pode ser que seja roubado um dia, e então vai querer que não haja
tanta gente ansiosa por comprar uma barganha sem fazer perguntas. O açougueiro
ficou zangado e hesitou, como se pensasse em replicar; mas pensou melhor e
desapareceu.
Por
que deixou que ele fosse embora?, perguntou Agnes. - Porque ele é conhecido
aqui e eu não, disse Tom. Se lutasse, iriam me considerar culpado. E como o
porco não tem meu nome escrito no traseiro, quem pode dizer se é meu ou não? Mas
todas as nossas economias... Ainda podemos pegar o dinheiro do porco, disse
Tom. Cale-se e deixe-me pensar. A altercação com o açougueiro o enfurecera e
ele aliviava a frustração falando asperamente com Agnes. Em algum lugar desta
cidade há um homem sem lábios e com cinquenta pennies de prata no bolso. Tudo o que temos a fazer é
encontrá-lo e tirar o dinheiro dele.
Certo,
disse Agnes determinadamente. Você volta pelo caminho que viemos. Vá até o adro
da catedral. Eu seguirei em frente e me aproximarei da catedral pelo outro
lado. Depois retomaremos pela rua seguinte, e assim por diante. Se ele não
estiver nas ruas, estará numa casa de cerveja. Quando o vir, fique perto e
mande Martha me avisar. Levarei Alfred. Tente não deixar que o fora-da-lei a veja.
Não se preocupe, disse Agnes, inflexível. Quero aquele dinheiro para alimentar
meus filhos. Tom tocou no seu braço e sorriu. Você é uma leoa, Agnes.
Ela
o fitou nos olhos por um momento e de repente, ficando na ponta dos pés,
beijou-o na boca, rápida mas intensamente. Depois virou-se e atravessou de
volta à praça do mercado, com Martha a reboque. Tom ficou olhando, preocupado
com ela, a despeito de sua coragem; depois seguiu na direcção oposta com
Alfred. O ladrão parecia pensar que estava perfeitamente seguro. Claro, quando roubara
o porco, Tom estava se dirigindo para Winchester. Ele seguira na direcção contrária,
a fim de vender o porco em Salisbury. Mas a fora-da-lei, Ellen, dissera que a
Catedral de Salisbury estava sendo reconstruída, fazendo com que Tom mudasse de
plano e, inadvertidamente, descobrisse o ladrão. No entanto, como pensava que
Tom nunca mais o veria, havia uma chance para pegá-lo desprevenido.
Foi
caminhando lentamente ao longo da rua lamacenta, tentando parecer bem à vontade
enquanto olhava as portas abertas. Queria ser o mais discreto possível, pois
aquele episódio podia terminar em violência e não queria que as pessoas se
lembrassem de um pedreiro alto fazendo uma busca na cidade. A maioria das casas
eram choupanas de madeira, lama e telhado de colmo, com uma esteira no chão,
uma lareira no meio e umas poucas peças de mobília feita em casa. Um barril e
alguns bancos faziam uma cervejaria; uma cama num canto com uma cortina
significava uma prostituta; um grupo barulhento em torno de uma mesa revelava
um jogo de dados». In Ken Follett, Os Pilares da Terra, 1989, Editorial
Presença, 2007, ISBN 978-972-233-788-5
JDACT, Ken Follett, Catedrais, Idade Média, Narrativa, Cultura,