sexta-feira, 8 de dezembro de 2023

Portugal. A Primeira Nação Templária. Freddy Silva.«Pelos próprios actos, Godofredo de Bulhão revelara-se valoroso, discreto, digno e modesto. Os seus servos, em privado, atestaram a sua posse das virtudes que são postas em prática sem qualquer exibição»

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1099. Junho. Fora dos portões de Jerusalém

«A conduta dos vitoriosos sobre os vencidos dependia muito de quem estava no comando de que exército, e as atrocidades, como em qualquer guerra, tornaram-se uma prática normal, a justaposição de extrema voolência e fé angustiada. O ar de repulsa de alguns cruzados estava empalado no cheiro a depravação dos restantes, mas o mesmo se aplicava aos árabes, que massacraram todos oscativos que haviam mantido prisioneiros dentro de uma mesquita.

Uma semana depois de a adrenalina da guerra diminuir, a 22 de Julho, o dia de Maria Madalena, realizou-se um conselho no interior refrescante da Igreja do Santo Sepulcro, para deliberar sobre a eleição de um rei para Jerusalém. De entre os líderes cujos nomes foram sugeridos, destacava-se um, pela antiguidade: o conde Raimundo de Toulouse, muito admirado como combatente e o primeiro a voluntariar-se para a cruzada naquele fatídico dia de Novembro em Clermont. Mas, no fim, os votos foram atribuídos ao homem que não procurara nenhuns.

Pelos próprios actos, Godofredo de Bulhão revelara-se valoroso, discreto, digno e modesto. Os seus servos, em privado, atestaram a sua posse das virtudes que são postas em prática sem qualquer exibição. Os seus ideais para o homem comum impressionaram até os xeques árabes, que se admiraram com a modéstia do príncipe flamengo, pois, quando foram levar oferendas a Godofredo, surpreenderam-se perante uma tenda real desprovida de sedas, e o seu rei sentado num fardo de palha. Informado dos seus comentários, Godofredo esclareceu que o homem deve lembrar-se de que é apenas pó e ao pó voltará. Godofredo marchara até à Cidade Santa com um princípio: libertar o Santo Sepulcro. O benefício pessoal não fora a sua motivação. Quando lhe apresentaram o título de rei de Jerusalém, recusou-se educadamente a ser coroado, aceitando antes o título alternativo de Advocatus Sancti Sepulchri (defensor do Santo Sepulcro) e adoptando o termo informal princeps (primeiro cidadão).

Como mais tarde diria, nunca usarei uma coroa de ouro no lugar onde o Salvador do mundo foi coroado de espinhos. Urbano II, cujas palavras tinham posto em movimento estes acontecimentos, para o bem ou para o mal, nunca saberia dos desenvolvimentos em Jerusalém, pois morreu duas semanas depois do fim do cerco e antes de a notícia lhe poder chegar aos ouvidos. Entretanto, o infatigável Godofredo de Bulhão atravessou o Portão de Sião a sul e saiu das muralhas de Jerusalém, para um caminho que subia um pequeno declive até uma colina calcária onde, segundo a tradição, a Virgem Maria passou para a eternidade e o seu filho fez a Última Ceia. Neste local sagrado, Godofredo encontrou uma igreja quase em ruínas, a Hagia Sião, a Basílica Bizantina da Assunção. O edifício dilapidado mal era habitável, quando mais por um rei, e a sua posição para lá das muralhas protectoras da cidade torná-la-ia difícil de defender, se e quando os exércitos árabes voltassem. Ainda assim, Godofredo fixou aí residência. Mas não iria ali viver sozinho, pois prontamente se lhe juntou um capítulo de cónegos de Santo Agostinho, bem como um ícone religioso por direito próprio, Pedro, o Eremita.

Acontece que, longe de ser um evangelista moribundo, Pedro era tido em grande estima, pois, logo após a conquista de Jerusalém, os cruzados embarcaram noutra campanha militar e deixaram o monge temporariamente no comando da cidade. Pedro , o Eremita, voltou eventualmente a França para se tornar prior de uma igreja do Santo Sepulcro, que fundou antes de entrar em retiro perto de Huy, onde também fundou um mosteiro. Os seus contemporâneos não foram ingratos, nem esqueceram o seu contributo para os mais puros ideais do cristianismo.

Os fiéis, moradores de Jerusalém, que, quatro ou cinco anos antes lá tinham visto o venerável Pedro, reconhecendo nesse tempo, na mesma cidade, aquele a quem o patriarca entregara cartas invocando o auxílio dos príncipes do Ocidente, dobraram os joelhos diante dele e prestaram-lhe os seus respeitos com toda a humildade. Lembraram as circunstâncias da sua primeira viagem; e louvaram o Senhor que o dotara de um efectivo poder de discurso e da força de despertar nações e reis para suportar tantos e tão  longos trabalhos por amor ao nome de Cristo. Tanto em privado como em público, todos os fiéis de Jerusalém se esforçaram por prestar a Pedro, o Eremita , as mais elevadas honras, e atribuíram-lhe a ele apenas, depois de Deus, a sua felicidade por terem escapado à dura servidão sob a qual durante tantos anos haviam gemido, e em ver a Cidade Santa recuperar a sua antiga liberdade. Godofredo de Bulhão». In Freddy Silva, Portugal. A Primeira Nação Templária, 2017, Alma dos Livros, 2018, ISBN 978-989-890-700-4.

Cortesia de EAlmadosLivros/JDACT

JDACT, Freddy Silva, Cultura, Conhecimento, Saber, Narrativa,