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É obvio, Regina procurou no Google Mark Ronak e descobriu que o pai de Carly era
o fundador da gravadora de hip-hop mais importante do país. Esse pequeno detalhe
serviu para aumentar ainda mais a distância que já havia entre as duas. Era
impossível imaginar seu pai ou sua mãe escutando hip hop, ou qualquer música
pop. O pai de Regina rondava os trinta e cinco anos quando ela nasceu e morreu
oito anos depois. Era arquitecto e a única música que escutava era ópera. A mãe
de Regina era uma violoncelista que só gostava de música clássica e insistia
que na sua casa só se ouvisse esse tipo de música. Enquanto Alice Finch estava
em causa, as únicas formas de música, pintura e literatura aceitáveis eram os
clássicos, por isso Regina tinha crescido sem música pop, arte moderna, nem
ficção barata. Como foi o seu primeiro dia?, perguntou-lhe Carly, levantando a
vista da revista W. Os rapazes da biblioteca estão comportando-se?, brincou. Estava
sentada no sofá, com as pernas cruzadas. Vestia uma calça jeans perfeitamente
descolorida e queimados, um pulôver de caxemira que lhe chegava logo abaixo do
peito e prendeu o cabelo loiro dourado num descuidado coque. A sala cheirava ao
seu perfume, Chanel Allure.
Muito
bem. Obrigada!, respondeu Regina, enquanto deixava a sua pesada bolsa no chão e
ia à cozinha pegar uma Coca-Cola. Nunca sabia se Carly estava realmente
interessada em falar com ela ou era só um gesto automático por ser ela a única
pessoa que havia ali. Regina sabia que a garota não compreendia que pôr livros
em estantes, segundo as suas próprias palavras, pudesse ser o sonho da vida de
alguém. Mas isso era exactamente para Regina. Desde que tinha seis anos e seu
pai tinha começado a levá-la à biblioteca todos os sábado à tarde, embora não
fosse a de Nova Iorque, e sim a pequena biblioteca no Gladwynne, Pensilvânia,
Regina sabia que esse era seu lugar. Nunca passou por uma fase em que queria
ser professora, veterinária ou bailarina. Para ela o seu sonho tinha sido
sempre tornar-se uma bibliotecária. Desejava trabalhar rodeada pelo cheiro dos
livros, ser responsável por fileiras e mais fileiras de ordenadas prateleiras,
e de uma meticulosa catalogação e de ajudar às pessoas a descobrir um grande
romance, ou o livro que os ajudaria no projecto de uma pesquisa com o qual
obteriam o seu título ou solucionariam um enigma intelectual.
Sabia
desde que era pequena, e nunca tinha perdido de vista o seu objectivo. E agora o
seu sonho virou realidade, por muito insignificante e ridículo que pudesse parecer
para alguém como Carly Ronak. Fico feliz, comentou. Vou receber a visita de um
amigo. Espero que não a incomodemos. O que realmente lhe estava a dizer era que
esperava que ficasse no seu quarto e não incomodasse. Não se preocupe. Tenho
muito que ler. Ah e sua mãe ligou. Duas vezes, comentou Carly, dando-lhe uma
nota com a mensagem ilegível rabiscada com marcador permanente. Para reduzir
despesas na sua mudança para Nova Iorque, Regina tinha excluído o telefone
móvel da sua vida. Isso foi óptimo já que ficou impossível para sua mãe contactá-la
as vinte e quatro horas do dia, mas, infelizmente, qualquer pessoa que tivesse um
relacionamento com Regina e possuísse uma linha fixa pagava o preço. Dobrou a
nota e meteu-a no bolso». In Logan Belle, A Bibliotecária, tradução de
Bruh Santos, Editorial Planeta, 2013, ISBN 978-989-657-440-6.
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