«(…)
Mais nada? Trata-se de uma região fértil, de Invernos
amenos e chuvosos. E como vemos, não falta sol. E os outros que quiserem depois
seguir viagem?, lembrou Hadwig. Estará o rei à espera que arrisquem a pele por
nada? Por mim, atalhou Gunther, não me importava de passar aqui o Verão. Pensas
que seria sempre assim tão bom?, interpelou-o Konrad. Quando tivéssemos que
combater debaixo deste calor, o Paraíso depressa se transformaria num Inferno. E,
virado para o irmão: os nossos comandantes não recusaram logo a sua ajuda? Não,
pediram dois dias de reflexão, durante os quais pretendem consultar-nos. Arnulf
de Aarschot e Christian de Gistell reuniram-se com os seus homens, que
expressaram os seus desejos. A maioria era da mesma opinião de Hadwig: os que
seguissem viagem, depois do cerco, exigiam igualmente a sua recompensa. Os dois
comandantes encontraram-se depois com os seus congéneres ingleses e franceses.
Estes acrescentaram outras às propostas dos alemães e dos flamengos e chegaram
a acordo em relação às exigências que
iriam apresentar ao rei na próxima reunião: todos os bens dos fidalgos mouros
seriam distribuídos apenas entre os cruzados; os portugueses ficariam de fora,
não só desta distribuição, como também do saque, do qual os estrangeiros não
prescindiam; os que pretendessem ficar em Portugal exigiam, além das terras,
poder manter os costumes e os direitos dos seus países, assim como liberdade de
impostos e de portagens para os seus produtos e barcos em todos os portos e
cidades portugueses. As negociações falharam, anunciou um dos monges alemães.
Konrad e Hadwig sorriram-se satisfeitos. O clérigo acrescentou: o rei recusa-se
a deixar-nos todos os bens dos mouros. E do saque continua a não querer ouvir
falar.
Quando
vamos prosseguir com a nossa viagem?, perguntou Konrad. Isso ainda não se sabe,
respondeu o monge. A Afonso Henriques foi concedido um tempo de reflexão. Ora
essa! Para quê? No fim, acabou por dizer que queria pensar melhor nas nossas propostas.
Além disso, pretende cumprir o código de cavalaria e enviar uma delegação até
junto das muralhas, que tentará convencer os infiéis
a renderem-se, entregando a cidade pacificamente. E quem pertence a essa
delegação?, perguntou Gunther desconfiado. Só portugueses? Não. O comandante
inglês e o seu clérigo, Gilbert de Hastings, acompanharão o arcebispo de Braga
e o bispo do Porto. Konrad alegrava-se com o facto de a maioria dos cruzados já
estar a preparar a sua partida, depois de os mouros terem recusado a rendição.
Além disso, o tempo de reflexão concedido ao rei ia-se alongando e os homens
perdiam a paciência. A sua alegria estava porém ensombrada: Johann pretendia
levar Ausenda com ele até à Terra Santa! Os irmãos só não tinham chegado a vias
de facto, porque Hadwig conseguira acalmar o mais velho. Que mal é que tinha,
perguntara, acrescentando que a rapariga era humilde e sossegada. Konrad teve
que lhe dar razão, parecia não se confirmar o seu receio de que ela se
continuasse a oferecer a quem melhor lhe pagasse.
No
barco de Konrad conversava-se sobre a partida, quando um grupo de portugueses,
ao qual pertenciam Julião e Tomé, saltaram a bordo. Gritavam e gesticulavam
como doidos, os estrangeiros olhavam-nos embasbacados. Hadwig perguntou a
Johann: percebes alguma coisa? O rapaz pediu a Julião que se acalmasse e,
depois de trocar algumas palavras com ele, informou: um grupo de portugueses
surpreendeu alguns mouros que tentavam descarregar reservas de um depósito
subterrâneo perto da cidade. Depois de aprisionarem os infiéis, entraram nessa
matmûrâ e espantaram-se com as quantidades enormes de cereais lá armazenados,
além de muitas outras coisas. Eles guardam os cereais debaixo da terra?,
admirou-se Gunther. Não têm celeiros? É para os proteger do calor, replicou
Johann. Julião gesticulava e continuava a falar. Ele diz, traduziu o rapaz, que
nós devíamos ir ver esse depósito..., ou matamorra, como ele lhe chama. Para
quê?, perguntou Konrad. E porque não?, atirou um dos seus companheiros de
viagem. Talvez possamos arrebanhar mais reservas para o resto do caminho.Não
eram eles os únicos que se punham em movimento em direcção à cidade. De todas
as outras naus saltavam cruzados e seguiam grupos de portugueses que tinham
espalhado a novidade». In Cristina
Torrão, A Cruz de Esmeraldas, Edição Ésquilo, 2009, ISBN 978-989-809-261-8.
Cortesia de Ésquilo/JDACT