«(…) Na zona da foz do rio Tejo, ou Wâdi Tâjuh, na linguagem dos
mouros, a armada dos cruzados deparara com várias enseadas onde as naus
lançaram as suas âncoras. O Atlântico parecia finalmente ter-se cansado de
formar ondas gigantescas, que batiam iradas contra a costa rochosa ou que
pareciam querer engolir o areal das praias, e quedava-se tranquilo como se de
um lago gigantesco se tratasse. Konrad, Hadwig e Gunther refrescavam-se na água
fria de uma das enseadas. Johann e Ausenda estavam sentados na areia e a
rapariga ensinava-lhe o seu idioma. O rapaz aprendia depressa, não só por ser
inteligente, mas também por mal ver a hora em que pudesse conversar com ela. Os
dois só se banhavam ao escurecer, para que Ausenda ficasse protegida de olhares
cobiçosos. O ruivo Gunther, metido na água até ao pescoço, exclamou: já vistes como
a areia brilha ao sol? Muitos de nós
acham que há ouro em pó lá misturado, trazido pelo mar. Isso é que era bom,
atirou Konrad. Ora, contrapôs Hadwig, todos nós já ouvimos falar de ouro aqui
na região. Do outro lado do rio, perto de mais uma fortaleza moura, diz-se que
o mar lança palhetas de ouro sobre a margem. E deste lado, acrescentou Gunther,
também há um sítio em que se tira ouro da água, um pouco a norte dessa...,
Lisbona. Os infiéis devem ser muito ricos e ter tesouros escondidos nas suas
casas! Konrad fungou incrédulo, mergulhou mais uma vez e disse: já me banhei
que chegue, vou-me deitar ao sol. Os outros seguiram-no para fora da água e
deitaram-se por cima das suas vestes, que jaziam estendidas na areia. Isto é
que é vida, suspirou Hadwig. Sim, concordou Gunther, só me falta uma...
Os
risos de Johann e Ausenda interromperam-no. Gunther apoiou-se nos cotovelos e
comentou: quem diria? O rapazola saiu-se o mais esperto de nós os quatro.
Konrad sentou-se e declarou, enquanto observava o parzinho: muita pena me fazia
sabê-lo no convento. Nunca pensei que
chegasse a invejá-lo. Os outros riram-se e ele acrescentou: mas não há-de casar
com ela. Era o que me faltava! Quando já estavam secos e o sol lhes começou a
queimar a pele, vestiram a roupa húmida, que tornou a refrescá-los e que
evitava que apanhassem uma insolação. Konrad viu os dois portugueses que tinham
vindo do Porto com eles e perguntou-se se trariam novidades. O rei e os seus
fidalgos tinham-se reunido com Arnulf de Aarschot, os comandantes dos outros
cruzados e os clérigos, que serviam igualmente de tradutores. Johann!, chamou
ele. Anda ver se percebes alguma coisa! O rapazito, com a ajuda da moça, lá
falou com o Julião e o Tomé e anunciou depois: pelo que eu entendi, as
negociações não correram bem para o rei. Os nossos comandantes não gostaram das
ofertas dele. Que estranho, admirou-se Hadwig. Então não há aqui muitas
riquezas? O rei quer evitar um saque, acrescentou Johann. Deve estar a brincar
connosco, atalhou Gunther. O vencedor tem sempre direito ao saque. Não viemos
para exterminar esses infiéis?
O rei Afonso Henriques disse estar mais interessado na conquista
de terras do que no massacre de homens. E que se deve aproveitar o conhecimento
e o trabalho dos mouros e dos judeus vencidos. Além disso, quer proteger os
cristãos que vivem em Lusbuna. Há cristãos a viver lá?, admirou-se o ruivo. No
meio dos infiéis? Se calhar entendeste-os mal, replicou Konrad dirigido ao
irmão. Johann tornou a falar com os portugueses e, depois de mais algumas
palavras e muitos gestos, informou: é mesmo assim. Moram lá cristãos e são
quase tantos como os mouros. Têm que pagar um imposto caro, uma tal jizia, mas
pelos vistos até um bispo há em Lusbuna. Esses cristãos são apelidados de
moçárabes, por terem adoptado muitos dos costumes dos infiéis. Os alemães
olharam-se estarrecidos. Johann acrescentou: o rei parece não saber quão ricos
os habitantes de Lusbuna realmente são. Então, o que é que ele tem para
oferecer em troca da nossa ajuda?, quis saber Konrad. Depois de Johann trocar
mais algumas palavras com os dois portugueses, respondeu: prometeu terras, para
os que quiserem ficar aqui». In Cristina
Torrão, A Cruz de Esmeraldas, Edição Ésquilo, 2009, ISBN 978-989-809-261-8.
Cortesia de Ésquilo/JDACT