sábado, 13 de janeiro de 2018

A Cruz de Esmeraldas. Cristina de Torrão. «O rei Afonso Henriques disse estar mais interessado na conquista de terras do que no massacre de homens. E que se deve aproveitar o conhecimento e o trabalho dos mouros…»

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«(…) Na zona da foz do rio Tejo, ou Wâdi Tâjuh, na linguagem dos mouros, a armada dos cruzados deparara com várias enseadas onde as naus lançaram as suas âncoras. O Atlântico parecia finalmente ter-se cansado de formar ondas gigantescas, que batiam iradas contra a costa rochosa ou que pareciam querer engolir o areal das praias, e quedava-se tranquilo como se de um lago gigantesco se tratasse. Konrad, Hadwig e Gunther refrescavam-se na água fria de uma das enseadas. Johann e Ausenda estavam sentados na areia e a rapariga ensinava-lhe o seu idioma. O rapaz aprendia depressa, não só por ser inteligente, mas também por mal ver a hora em que pudesse conversar com ela. Os dois só se banhavam ao escurecer, para que Ausenda ficasse protegida de olhares cobiçosos. O ruivo Gunther, metido na água até ao pescoço, exclamou: já vistes como a areia brilha ao sol? Muitos de nós acham que há ouro em pó lá misturado, trazido pelo mar. Isso é que era bom, atirou Konrad. Ora, contrapôs Hadwig, todos nós já ouvimos falar de ouro aqui na região. Do outro lado do rio, perto de mais uma fortaleza moura, diz-se que o mar lança palhetas de ouro sobre a margem. E deste lado, acrescentou Gunther, também há um sítio em que se tira ouro da água, um pouco a norte dessa..., Lisbona. Os infiéis devem ser muito ricos e ter tesouros escondidos nas suas casas! Konrad fungou incrédulo, mergulhou mais uma vez e disse: já me banhei que chegue, vou-me deitar ao sol. Os outros seguiram-no para fora da água e deitaram-se por cima das suas vestes, que jaziam estendidas na areia. Isto é que é vida, suspirou Hadwig. Sim, concordou Gunther, só me falta uma...
Os risos de Johann e Ausenda interromperam-no. Gunther apoiou-se nos cotovelos e comentou: quem diria? O rapazola saiu-se o mais esperto de nós os quatro. Konrad sentou-se e declarou, enquanto observava o parzinho: muita pena me fazia sabê-lo no convento. Nunca pensei que chegasse a invejá-lo. Os outros riram-se e ele acrescentou: mas não há-de casar com ela. Era o que me faltava! Quando já estavam secos e o sol lhes começou a queimar a pele, vestiram a roupa húmida, que tornou a refrescá-los e que evitava que apanhassem uma insolação. Konrad viu os dois portugueses que tinham vindo do Porto com eles e perguntou-se se trariam novidades. O rei e os seus fidalgos tinham-se reunido com Arnulf de Aarschot, os comandantes dos outros cruzados e os clérigos, que serviam igualmente de tradutores. Johann!, chamou ele. Anda ver se percebes alguma coisa! O rapazito, com a ajuda da moça, lá falou com o Julião e o Tomé e anunciou depois: pelo que eu entendi, as negociações não correram bem para o rei. Os nossos comandantes não gostaram das ofertas dele. Que estranho, admirou-se Hadwig. Então não há aqui muitas riquezas? O rei quer evitar um saque, acrescentou Johann. Deve estar a brincar connosco, atalhou Gunther. O vencedor tem sempre direito ao saque. Não viemos para exterminar esses infiéis?
O rei Afonso Henriques disse estar mais interessado na conquista de terras do que no massacre de homens. E que se deve aproveitar o conhecimento e o trabalho dos mouros e dos judeus vencidos. Além disso, quer proteger os cristãos que vivem em Lusbuna. Há cristãos a viver lá?, admirou-se o ruivo. No meio dos infiéis? Se calhar entendeste-os mal, replicou Konrad dirigido ao irmão. Johann tornou a falar com os portugueses e, depois de mais algumas palavras e muitos gestos, informou: é mesmo assim. Moram lá cristãos e são quase tantos como os mouros. Têm que pagar um imposto caro, uma tal jizia, mas pelos vistos até um bispo há em Lusbuna. Esses cristãos são apelidados de moçárabes, por terem adoptado muitos dos costumes dos infiéis. Os alemães olharam-se estarrecidos. Johann acrescentou: o rei parece não saber quão ricos os habitantes de Lusbuna realmente são. Então, o que é que ele tem para oferecer em troca da nossa ajuda?, quis saber Konrad. Depois de Johann trocar mais algumas palavras com os dois portugueses, respondeu: prometeu terras, para os que quiserem ficar aqui». In Cristina Torrão, A Cruz de Esmeraldas, Edição Ésquilo, 2009, ISBN 978-989-809-261-8.

Cortesia de Ésquilo/JDACT