terça-feira, 30 de janeiro de 2018

A Princesa Determinada. Catarina de Aragão. Philippa Gregory. «… o forte vermelho que fica sobre a cidade para a proteger e o lindíssimo palácio escondido dentro das suas muralhas, o Alhambra, foram entregues a Fernando e a Isabel»

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6 de Janeiro de 1492
Com o passar dos dias, os Mouros perderam a coragem. A escaramuça da rainha acabou por ser a sua última batalha. O seu líder estava morto, a cidade cercada, estavam a morrer à fome nas terras que os seus antepassados haviam tornado férteis. Pior, o apoio prometido da África falhou, os Turcos haviam jurado amizade, mas os janíçaros não chegaram, o rei enlouquecera, o seu filho estava retém dos Cristãos, e diante deles estavam os príncipes da Espanha, Isabel e Fernando, com todo o poder da Cristandade por trás de si, com uma guerra santa declarada e uma cruzada cristã que ganhava forma com o odor do sucesso. Alguns dias após o confronto dos líderes, Boabdil, o rei de Granada, acordara as condições de paz, e alguns dias depois, numa cerimónia planeada com toda a graça típica dos mouros da Espanha, desceu a pé até aos portões de ferro da cidade, com as chaves do palácio de Alhambra sobre uma almofada de seda e entregou-as ao rei e à rainha da Espanha, numa rendição total. Granada, o forte vermelho que fica sobre a cidade para a proteger e o lindíssimo palácio escondido dentro das suas muralhas, o Alhambra, foram entregues a Fernando e a Isabel.
Vestidos com as maravilhosas sedas do inimigo derrotado, turbantes, chinelos, gloriosos como califas, a família real espanhola, brilhando com o espólio da Espanha, assumiu o controlo de Granada. Nessa tarde. Catarina, a Princesa de Gales, percorreu com os pais o caminho íngreme e as curvas através das sombras das árvores altas, até ao mais belo palácio da Europa. Dormiu essa noite no harém coberto de ladrilhos maravilhosos e acordou ao som da água ondulante das fontes de mármore e imaginou-se uma princesa muçulmana, nascida para o luxo e a beleza, assim como Princesa de Gales. A família espanhola com os seus oficiais na dianteira e a guarda real atrás, gloriosos como sultões, entrou no forte pela enorme torre quadrada, conhecida como Porta da Justiça. Quando a sombra do primeiro arco da torre incidiu no rosto voltado para cima de Isabel, os trompeteiros tocaram um grito de desafio, tal como Josué diante dos muros de Jericó, como se afastassem assim os demónios do infiel que aí permaneciam. De imediato se ouviu um eco da explosão de som, um suspiro estremecedor de todos os que estavam reunidos depois da porta de entrada, empurrados contra as paredes douradas, as mulheres semi-veladas nas suas túnicas, os homens de pé orgulhosos e em silêncio, observando, na expectativa do que os conquistadores fariam a seguir. Catarina olhou por cima do mar de cabeças e avistou as formas fluidas da escrita árabe gravadas nas paredes resplandecentes. O que diz?, perguntou a Madilla, a sua ama. Madilla olhou de soslaio para cima. Não sei, afirmou mal-humorada. Negava sempre as suas raízes muçulmanas. Sempre tentara fingir que não sabia nada sobre os Mouros ou as suas vidas, apesar de ter nascido e sido criada como moura e de só se ter convertido, segundo Joana, por conveniência. Dizei-nos, ou beliscamos-vos, propôs Joana docemente. A jovem mulher franziu o sobrolho na direcção das duas irmãs. Diz: Deus permita que a justiça do Islão prevaleça aqui dentro. Catarina hesitou por um momento, ouvindo a aura orgulhosa da certeza, uma determinação para imitar a voz da mãe.
Bem, Ele não permitiu, comentou Joana de modo inteligente. Alá desertou de Alhambra e Isabel chegou. E se vocês, Mouros, conhecessem Isabel como nós conhecemos, saberiam que o maior poder está a chegar e o poder menor está a sair. Deus abençoe a rainha, respondeu Madilla prontamente. Eu conheço suficientemente bem a rainha Isabel. Enquanto falava, as grandes portas à sua frente, de madeira negra enfeitada com pregos negros, abriram-se nas suas dobradiças negras, e com mais um toque de trompetas, o rei e a rainha entraram a passos largos no pátio interior. Como dançarinos que tivessem ensaiado até obterem uma coreografia perfeita, a guarda espanhola dividiu-se entre o lado direito e esquerdo, no interior das muralhas da cidade, verificando se o local era seguro, e se não haveria soldados desesperados a preparar uma última emboscada. O grande forte de Alcazaba, construído como a proa de um navio, projectando-se sobre a planície de Granada, ficava à esquerda, e os homens afluíram aí, correndo pela praça da parada, rodeando as muralhas, subindo e descendo às torres, a correr. Por fim, Isabel, a rainha, levantou o olhar para o céu, protegeu os olhos com a mão onde retiniam as pulseiras de ouro muçulmanas, e riu-se bem alto ao ver o estandarte sagrado de Santiago e a cruz prateada da cruzada a esvoaçar, onde antes estivera o crescente». In Philippa Gregory, Catarina de Aragão, A Princesa Determinada, Livraria Civilização Editora, 2006, ISBN 978-972-262-455-8.

Cortesia Civilização/JDACT