«(…)
De acordo com a vontade dos egípcios, os ritos continuam a ser celebrados
graças aos hieróglifos gravados na pedra; a presença de Ísis é inteiramente
palpável e ouvem-se as palavras pronunciadas nas cerimónias pelas sacerdotisas
da grande deusa: Ísis, criadora do
universo, soberana do céu e das estrelas, senhora da vida, regente das
divindades, maga de excelentes conselhos, Sol feminino que tudo marca com o seu
selo, os homens vivem às tuas ordens, sem o teu acordo nada se faz. Vitoriosa
sobre a morte, Ísis sobreviveu à extinção da civilização egípcia, desempenhando
um importante papel no mundo helenístico até ao século V d.C.. O seu culto
espalhou-se por todos os países da bacia mediterrânica e mesmo mais além. Tornou-se
na protectora de numerosas confrarias iniciáticas mais ou menos hostis ao
cristianismo, que a consideravam o símbolo da omnisciência, detentora do
segredo da vida e da morte e capaz de assegurar a salvação dos seus fiéis. Mas
Ísis não exigia apenas uma simples devoção; para a conhecerem, os seus adeptos
deviam sujeitar-se a uma ascese, não se contentando com a crença mas subindo na
escala do conhecimento e transpondo os diversos graus dos mistérios. Sendo o
passado, o presente e o futuro, a mãe celeste de infinito amor, Ísis foi
durante muito tempo uma temível concorrente do cristianismo. Mas nem mesmo o
dogma triunfante conseguiu aniquilar a antiga deusa; no hermetismo, tão
presente na Idade Média, ela continuou a ser a pupila do olho do mundo,
o olhar sem o qual a verdadeira realidade da vida não poderia ser apercebida.
Aliás, não se dissimulou Ísis sob as vestes da Virgem Maria, tomando o nome de Nossa
Senhora à qual tantas catedrais e igrejas foram dedicadas?
Uma civilização molda-se de
acordo com um mito ou conjunto de mitos. Todavia, no mundo judaico-cristão, Eva
é pelo menos suspeita, e daí o inegável e dramático défice espiritual das
mulheres modernas que se regem por este tipo de crença. Isto não acontecia no
universo egípcio, pois a mulher não era fonte de nenhum mal ou deturpação do conhecimento.
Muito pelo contrário: era ela que, através da grandiosa figura de Ísis, enfrentava
as piores provações, tendo descoberto o segredo da ressurreição. Modelo das
rainhas, Ísis foi também o modelo das esposas, das mães e das mulheres mais humildes.
Aliava à fidelidade uma indestrutível coragem perante a adversidade, uma intuição
fora do comum e uma capacidade para penetrar nos mistérios. Por conseguinte, a sua
busca servia de exemplo a todas quantas procuravam viver a eternidade.
Merit-Neit, a primeira faraó do Egipto?
Maneton,
um sacerdote da época tardia, dividiu os faraós do Egipto em trinta dinastias, perpetuando
uma tradição segundo a qual fora promulgada uma lei na segunda dinastia afirmando
que as mulheres podiam exercer as funções régias. Podemos, sem grandes riscos, fazer
remontar esta legislação às próprias origens da civilização faraónica. Por
volta de 3150 a.C.. nasceu a primeira dinastia, fundada por Menes, cujo nome
faz alusão à ideia de estabilidade; Menes talvez signifique também fulano,
o que indicaria que Menes, o rei fulano, é o modelo e a base dos
soberanos posteriores. Estamos mal informados acerca das origens da civilização
egípcia, mas sabemos que a linguagem hieroglífica foi utilizada na primeira
dinastia; o estudo das raras inscrições conservadas permite constatar que os
valores fundamentais do Egipto faraónico se encontram já presentes,
nomeadamente na pessoa simbólica do monarca, que deve unir as Duas Terras e
assegurar a sua prosperidade celebrando os cultos. Os faraós da primeira
dinastia possuem duas sepulturas, uma em Sacara, localidade próxima do Cairo, a
outra em Abidos, no Médio Egipto. Um túmulo a Norte, outro a Sul, por
conseguinte, a fim de recordar que o faraó devia unir estes dois pólos
complementares. Uma das duas moradas da eternidade servia para a perenidade do corpo
luminoso e invisível do monarca, a outra para repouso do seu corpo mumificado».
In
Christian Jacq, As Egípcias, Edições ASA, 2002, ISBN-978-972-413-062-0.
Cortesia de EASA/JDACT