Torre
de Londres. Maio de 1465
«(…)
Eu sou a rainha Anne da Inglaterra. O rei Eduardo me escolheu. Ele nunca faria
isso, você é a mais nova, disse Isabel. Ele escolheu! Ele escolheu! Sinto meu
humor mudar e sei que vou estragar a nossa brincadeira, mas não posso suportar
dar precedência a ela mais uma vez, mesmo quando se trata de uma brincadeira em
nosso quarto. Nós duas não podemos ser rainhas da Inglaterra ao mesmo tempo,
diz ela de maneira bastante razoável. Você pode ser a rainha da França. A
França é simpática o suficiente. Inglaterra! Eu sou a rainha da Inglaterra. Eu
odeio a França! Bom, você não pode ser rainha da Inglaterra. Eu sou a mais
velha. Eu escolho primeiro, eu sou a rainha da Inglaterra e Eduardo está apaixonado
por mim. Fico muda de raiva diante do hábito de Isabel de reclamar o seu
direito sobre tudo, reforçando de repente o facto de ser mais velha e
transformando, de súbito, uma brincadeira alegre em animosidade. Bato o pé, o meu
rosto enrubesce com o meu mau humor, e sinto lágrimas quentes nos meus olhos.
Inglaterra!
Eu sou a rainha! Você sempre estraga tudo porque é uma bebezinho. Ela se volta
para a porta quando esta se abre atrás de nós. Margaret entra no quarto e diz:
é hora das duas estarem dormindo, miladies! O que fizeram com as suas mantas? Isabel
não me deixa…, começo a dizer. Ela está sendo má… Não importa, interrompe
Margaret. Para a cama. Podem dividir o que quer que seja amanhã. Ela não quer
dividir! Engulo lágrimas salgadas. Ela nunca quer. Nós estávamos brincando, mas
então… Isabel dá um breve sorriso, como se a minha mágoa fosse cómica, e troca
um olhar com Margaret, como se dissesse que o bebé está fazendo birra mais uma
vez. Isso é demais para mim. Solto um gemido e me jogo de bruços na cama.
Ninguém se importa comigo, ninguém consegue ver que estávamos brincando juntas,
como iguais, como irmãs, até que Isabel reivindicou algo que não era seu. Ela
deveria saber que tinha de dividir. Não é certo que eu tenha de ceder sempre,
que eu seja sempre a última. Não é certo!, digo com a voz entrecortada. Não é
justo comigo! Isabel vira-se de costas para Margaret, que desamarra o vestido
dela e o abaixa para que a minha irmã possa despi-lo desdenhosamente, como a
rainha que ela fingia ser. Margaret estende o vestido sobre uma cadeira, para
ser empoado e escovado no dia seguinte, e Isabel veste a camisola, permitindo,
em seguida, que Margaret penteie e trance os seus cabelos.
Levanto
o meu rosto enrubescido do travesseiro para assistir à cena, e Isabel olha de relance
para os meus grandes olhos trágicos e diz bruscamente: deveria estar dormindo.
Você sempre chora quando está cansada. É uma criancinha. Não deveriam tê-la
deixado ir a um jantar. Ela olha para Margaret, uma mulher de 20 anos. Diga
para ela. Durma, lady Anne, recomenda Margaret delicadamente. Não há motivo
para continuar com isso. Eu viro-me de lado e volto o meu rosto para a parede. Margaret
não deveria falar comigo assim; ela é dama de companhia de minha mãe e nossa
meia-irmã, e deveria tratar-me de forma mais amável. Mas ninguém me trata com respeito
algum, e minha própria irmã odeia-me. Escuto a cama ranger quando Isabel se deita
ao meu lado. Ninguém a obriga a dizer as suas preces, ainda que ela certamente
vá para o inferno. Boa noite, durmam bem, Deus as abençoe, diz Margaret. Ela
apaga as velas e sai do quarto.
Estamos
a sós no quarto à luz da lareira. Sinto Isabel puxar as cobertas para o seu
lado e permaneço imóvel. Pode chorar a noite toda se quiser, mas eu ainda serei
a rainha da Inglaterra e você não, sussurra ela com uma malícia cortante. Eu
sou uma Neville!, digo em voz alta. Margaret é uma Neville, argumenta Isabel. Mas
ilegítima. A filha bastarda do pai. Então ela nos serve como dama de companhia
e vai casar-se com algum homem respeitável, enquanto eu vou-me casar, no
mínimo, com um duque rico. Agora que estou pensando nisso, acho que você também
deve ser ilegítima, e terá de ser minha dama de companhia. Sinto um soluço
subindo pela garganta, mas cubro a boca com as mãos. Não darei a ela a
satisfação de me ouvir chorar. Abafarei os meus soluços. Se pudesse parar de
respirar, eu o faria, e então escreveriam para o meu pai para lhe dar a notícia
de que eu estava fria e morta, e ela se arrependeria por eu me ter sufocado por
causa de sua crueldade». In Philippa Gregory, A Filha do Conspirador,
2012, A Guerra dos Primos, volume IV, Civilização Editora, 2013, ISBN:
978-972-263-519-6.
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