Cortesia
de wikipedia e jdact
«(…) Ela tinha um prazer bem inofensivo em estar
elegante. E a entrée da nossa heroína na vida não poderia ocorrer antes de três
ou quatro dias aprendendo o que mais se usava, e de sua acompanhante ganhar um
vestido da última moda. Catherine também fez, sozinha, algumas compras, e
quando todos esses assuntos foram resolvidos, a importante noite em que ela
seria levada aos Salões Superiores chegou. Ela cortou o cabelo e se cobriu com
as melhores roupas, todas vestidas com cuidado, e tanto a senhora Allen quanto a
sua criada declararam que ela se aparentava como deveria. Com tal incentivo, Catherine
esperou pelo menos passar sem a desaprovação da multidão. Quanto à admiração,
era sempre bem-vinda quando aparecia, mas ela não precisava disso. A senhora
Allen demorou-se tanto a se aprontar que elas adentraram pelo salão de baile quando
já era tarde. A temporada estava cheia, a sala repleta, e as duas damas se
esgueiraram o quanto puderam. Quanto ao senhor Allen, ele se dirigiu directamente
ao salão de jogos e as deixou para que apreciassem a turba por si mesmas. Com
mais cuidado pela segurança do seu novo vestido do que pelo conforto de sua
protegée, a senhora Allen abria o seu caminho pela aglomeração de homens à
porta, tão agilmente quanto a necessária precaução poderia permitir.
Catherine, porém, mantinha-se imediatamente ao seu lado e prendeu seu braço
tão firme ao da sua amiga para que só pudesse ser separada por algum esforço
conjunto de uma multidão em luta. Mas, para a sua extrema surpresa, ela
descobriu que para seguir adiante pelo salão não era, de forma alguma, o modo
como se desprendia da aglomeração. Esta, ao contrário, parecia aumentar à
medida que seguiam, enquanto ela imaginou que, uma vez depois da porta, elas facilmente
encontrariam assentos e seriam capazes de assistir as danças com perfeita conveniência.
Mas isto estava longe de ser o caso e, por meio de incansável diligência, mesmo
ao chegarem ao topo do salão, a situação delas ainda era a mesma. Nada viam dos
dançarinos, além das penas no topo dos chapéus das damas. Ainda assim, iam,
algo melhor ainda estava para ser visto. E, pela aplicação continuada de força
e engenho, encontraram-se, finalmente, na passagem atrás da mais alta bancada.
Havia menos gente do que em baixo, e, portanto, a senhorita Morland tinha uma
visão abrangente de toda a companhia sobre ela e de todos os perigos de sua recém
terminada passagem por ela. Era uma vista esplêndida, e ela começou, pela
primeira vez naquela noite, a sentir-se ela mesma num baile, ela ansiava por
dançar, mas não conhecia ninguém no salão. A senhora Allen fazia o que podia,
em tal caso, ao dizer muito placidamente, a cada momento: queria que dançasse,
minha querida, queria que encontrasse um parceiro. Por algum tempo, a sua jovem
amiga se sentiu agradecida por tais desejos, mas estes foram repetidos com
tanta frequência e se provaram tão artificiais que, por fim, Catherine se
cansou e já não mais lhe agradecia.
Não puderam, porém, gozar por muito tempo do repouso da eminência que conquistaram
com tanto trabalho. Logo, todos estavam se movimentando pelo chá, e elas deveriam
se esgueirar assim como o resto. Catherine começou a se sentir um pouco desapontada,
ela estava cansada de ser seguidamente prensada contra as pessoas. A generalidade
daqueles rostos não possuía nada de interessante e, com todos aqueles a quem ela
era completamente desconhecida, ela não poderia se aliviar do aborrecimento
daquela prisão com a troca de uma sílaba com qualquer um dos seus companheiros
reféns. Quando por fim chegaram à sala de chá, Catherine sentiu ainda mais o
constrangimento de não ter algum grupo com quem se juntar, nenhuma amizade a
chamar, nenhum cavalheiro a ajudá-la. Não viram o senhor Allen. Depois de
procurar ao redor da sala por uma situação mais favorável, foram obrigadas a se
sentar ao fim de uma mesa, na qual um grupo grande já ocupava lugares, sem ter
o que fazer ou alguém para conversar, além delas mesmas. A senhora Allen se
felicitava, assim que se sentaram, por ter preservado o seu vestido de algum
dano. Teria sido chocante se ele tivesse rasgado, disse, não é mesmo? É uma
seda muito delicada. Da minha parte, não vi nada que eu gostasse tanto em toda
a sala, garanto-lhe». In Jane Austen,
A Abadia de Northanger, 1802 /1817, Relógio d’Água, 2016, ISBN
978-989-641-596-9.
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