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Via
Vazia
[…] VII
«Tu sabes que serram cavalos
vivos
Para
que fiquem macias
As sacolas dos ricos?
Tu gozas ou defecas
Diante do acto sem nome
O rubro dessa orgia?
VIII
Descansa.
O Homem já se fez
O escuro cego raivoso animal
Que pretendias.
IX
Uma mulher suspensa entre as
linhas e os dentes.
Antiquíssima ave, marionete de
penas
As asas que pensou lhe foram
arrancadas.
Lavado de luzes, um deus me
movimenta.
Indiferente. Bufo.
X
Pedra d’água, abismo, pedra-ferro
Como te chamas? Para que eu possa
ao menos
Soletrar
teu nome, grudada à tua fundura.
XI
Nos pauis, no pau-de-lacre,
Aquele de nervuras e de folhas
brilhantes, transitas.
No pau-de-virar-tripa, só neste
último, Pai
Eu sei que te demoras, meditando
minha víscera.
XII
Águas de grande sombra, água de
espinhos:
O Tempo não roerá o verso da
minha boca.
Águas manchadas de um torpor de
vinhos:
Hei de tragá-las todas. E
lúbrico, descontínuo
O
tempo não viverá se tocar a minha boca».
Alcoólicas
I
«É crua a vida. Alça de tripa e
metal.
Nela despenco: pedra mórula
ferida.
É crua e dura a vida. Como um
naco de víbora.
Como-a no livro da língua
Tinta, lavo-te os antebraços,
Vida, lavo-me
No estreito-pouco
Do meu corpo, lavo as vigas dos
ossos, minha vida
Tua unha púmblea, me casaco rosso
E perambulamos de coturno pela
rua
Rubras, góticas, altas de corpo e
copos.
A vida é crua. Faminta como o
bico dos corvos.
E pode ser tão generosa e mítica:
arroio, lágrima
Olho
d’água, bebida. A vida é líquida.
[…]
Hilda Hilst, Obra Poética Reunida (1950-1996), 1998, organização Costa
Duarte, Literatura brasileira século XX, Wikipédia.
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