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«(…) É
mesmo?, disse o sr. Bainbridge. A senhora encontrou algumas variações
importantes durante a sua, hã, experiência na guerra? Ah, sim, disse. A minha
favorita, eu aprendi com um ianque. Um homem chamado Williamson, de Nova York,
eu acho. Ele dizia cada vez que eu trocava o seu curativo. E qual era? Jesus H.
Roosevelt Cristo, disse, deixando o cubo de açúcar cair cuidadosamente no café
de Frank. Depois de passar algum tempo na sala com a sra. Baird, numa conversa
amena e nada desagradável, subi para o meu quarto, para aprontar-me antes de
Frank chegar. Sabia que o limite dele era de duas taças de xerez e, portanto,
esperava-o de volta logo. O vento começava a soprar forte e o próprio ar do
quarto estava carregado de electricidade. Passei a escova nos cabelos, fazendo
os cachos estalarem com a estática e saltarem, emaranhando-se furiosamente.
Meus cabelos teriam que passar sem as cem escovadelas esta noite, decidi. Com
as actuais condições do tempo, iria apenas escovar os dentes. Fios de cabelo
grudavam-se no meu rosto, agarrando-se teimosamente enquanto eu tentava
afastá-los para trás.
Nenhuma
água no jarro; Frank a usara, arrumando-se antes de sair para o seu encontro
com o sr. Bainbridge, e não se dera ao trabalho de enchê-lo novamente na
torneira do banheiro. Peguei o frasco de L’Heure Bleu e despejei uma boa porção
na palma da mão. Esfregando rapidamente as mãos antes que o perfume se
evaporasse, passei-as pelos cabelos. Despejei mais um pouco na escova e penteei
os cachos para trás das orelhas. Bem. Assim estava melhor, pensei, girando a
cabeça de um lado para o outro para examinar os resultados no espelho manchado.
A humidade dissipara a electricidade dos meus cabelos, de modo que eles agora
flutuavam em ondas brilhantes e pesadas à volta do meu rosto. O álcool
evaporado deixara um perfume muito agradável no ar. Frank iria gostar, pensei.
L'Heure Bleu era sua colónia favorita. De repente o clarão de um relâmpago bem
próximo, seguido imediatamente pelo estrondo de um trovão, fez com que todas as
luzes se apagassem. Praguejando baixinho, comecei a tactear dentro das gavetas.
Em algum lugar, eu vira velas e fósforos; a falta de energia eléctrica era uma
ocorrência tão frequente nas Highlands que as velas constituíam um suprimento
indispensável em todos os quartos de hotéis e hospedarias. Eu as vira até mesmo
nos hotéis mais elegantes, onde eram perfumadas com madressilvas e apresentadas
em castiçais de vidro fosco com pingentes brilhantes. As velas da sra. Baird eram
bem mais utilitárias, velas brancas comuns, mas havia muitas delas, assim como
três caixas de fósforos. Não estava inclinada a ser exigente quanto à elegância
num momento como aquele.
Coloquei
uma vela no suporte de cerâmica azul sobre a penteadeira iluminada pelo
relâmpago seguinte, depois acendi outras pelo quarto, até que todo o aposento
fosse tomado por uma luminosidade suave e bruxuleante. Muito romântico, pensei,
e com certa presença de espírito desliguei o interruptor, de modo que uma volta
repentina da luz não estragasse o clima num momento inoportuno. As velas não
haviam queimado mais do que um centímetro quando a porta se abriu e Frank
entrou como um furacão. Literalmente, porque a rajada de vento que o seguiu
escadas acima apagou três velas. A porta fechou-se atrás dele com uma pancada
que apagou mais duas velas. Esforçando-se para enxergar na escuridão repentina,
passou a mão pelos cabelos desalinhados. Levantei-me e reacendi as velas,
admoestando-o brandamente sobre os modos bruscos de entrar num aposento. Foi
somente ao terminar e me virar para lhe perguntar se gostaria de um drinque que
vi que ele parecia um pouco pálido e perturbado. O que foi?, perguntei. Viu
fantasma? Bem, sabe, disse devagar, não tenho certeza se não vi.
-Distraidamente, ele pegou na minha escova e ergueu-a para arrumar os seus
cabelos.
Quando a
fragrância repentina de L'Heure Bleu atingiu as suas narinas, franziu o nariz e
colocou-a de volta sobre a penteadeira, voltando a atenção para o pente que
carregava no bolso. Olhei pela janela, onde os olmos se agitavam de um lado
para o outro como manguais. Uma persiana aberta batia em algum lugar do outro lado
da casa e ocorreu-me que talvez devêssemos fechar as nossas, embora o alvoroço
lá fora fosse interessante de observar. Acho que está um pouco tempestuoso para
um fantasma, disse. Eles não gostam de noites calmas e enevoadas em cemitérios?
Frank riu um pouco timidamente. Bem, provavelmente foram apenas as histórias de
Bainbridge e um pouco de xerez a mais do que eu deveria ter tomado. Nada de
mais. Agora eu estava curiosa. O que viu exactamente?, perguntei, sentando-me
no banquinho da penteadeira. Indiquei a garrafa de uísque erguendo uma das
sobrancelhas e Frank imediatamente foi servir dois drinques. Bem, na verdade,
apenas um homem, ele começou, medindo uma dose para ele e duas para mim. Parado
na rua lá fora». In Diana Gabaldon, Nas Asas do Tempo, 1991, Casa das Letras, LeYa, 2010, 2016,
ISBN 978-972-461-974-3.
Cortesia
das CdasLetras/JDACT