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Lanhoso. Dezembro de 1130
«(…) Conhecedora da forte paixão
de Afonso Henriques pela galega, Elvira sempre o aconselhara a tratá-la melhor:
e criticou-o por a ter expulso com desdém de Guimarães, mesmo estando ela
prenhe de outro. Que descaramento!, indignou-se o príncipe. Venho ter convosco
a Lanhoso e dizeis-me que perdoe a Chamoa? Com a bonomia que existia no seu
coração, Elvira limitou-se a sorrir. Aquela humilde e dedicada mulher adorava-o
e repetiu-o mais uma vez, mas nunca se iludia sobre a sua insignificância nos
destinos conturbados do Condado Portucalense. Não tendes ciúme de outra mulher?,
perguntou Afonso Henriques, confundido com o despreendimento da moça. Mais uma
vez, Elvira sorriu com suavidade e respondeu: a outra sou eu, depois,
acrescentou, dando-lhe a mão com ternura: vinde ver vossas irmãs, estão muito
crescidas.
Entraram enlaçados na torre de
menagem de Lanhoso e, quando chegaram à sala, o príncipe viu as suas duas
pequenas irmãs sentadas no chão, a brincarem com bonecas de trapos. Elvira
mandou-as levantar e elas vieram beijar a mão do irmão, educadas mas tímidas, agarrando-se
logo às pernas da sua guardiã. Por momentos, a má vontade que o príncipe nutria
para com Peres Trava, pai das meninas, bem como a querela nunca sarada com a
sua defunta mãe, pareceu impedir Afonso Henriques de mostrar ternura.
Elvira, vendo-o assim rígido,
murmurou: príncipe, amar é dar e receber. Quem não dá... O meu amigo venceu
finalmente a relutância e perguntou-lhes o nome das bonecas e pouco tempo depois
já as sentara nos seus joelhos. Quando a noite chegou, Elvira foi deitar as
pequenas, regressando depois para junto do seu amado. Elas perguntam pela minha
mãe?, questionou o meu amigo. Elvira suspirou, com pena das meninas.
No último ano, antes de falecer, dona
Teresa só cá veio uma vez. O príncipe conhecia os hábitos desleixados de sua mãe,
que nunca ligara muito aos filhos, e adiantou: será a vós que vão amar. Elvira
mostrou-se ligeiramente preocupada e desviou o olhar. O pai delas esteve cá há duas
semanas... Afonso Henriques enervou-se: Fernão Peres Trava tinha-lhe prometido
uma guerra e agora tivera o descaramento de entrar à socapa no Condado Portucalense,
dirigindo-se até Lanhoso? São filhas dele, tem direitos, recordou Elvira. Esta afirmação
ainda irritou mais o príncipe, que logo perguntou: estais do lado dele? A normanda
fingiu não o ter ouvido e prosseguiu: deixei-o entrar e falar com elas, mas não
levá-las, pois não eram essas as ordens que tinha. Depois, preocupada,
acrescentou: a Sanchinha tem medo do pai, assustou-se quando ele disse que iriam
para Tui. E a Teresa escondeu-se atrás de mim... Pobrezinhas.
Sem olhar para o príncipe, prosseguiu:
o Trava queria que eu fosse também. Diz que sei lidar com elas, inspirou fundo e
o seu peito cheio cresceu, mas lamentou-se: homens... Franzindo a testa, Afonso
Henriques quis saber o que desejara o Trava e Elvira revelou que o galego lhe
prometera casa e honrarias. Bem sei o que queria, rematou, com um leve sorriso.
Um breve erremesso de fúria apoderou-se do meu melhor amigo, que desatou a barafustar
contra o descaramento do Trava. Haveis-vos dado a ele?, insistiu, desconfiado.
Desta
vez, o orgulho fez Elvira empertigar as costas quando proclamou que os homens
eram uns tontos. O Trava, por pensar que ela cedia com facilidade aos seus cantos
de sedução; e o príncipe por admitir que ela o trairia com tanta pressa». In
Domingos Amaral, Assim Nasceu Portugal, A Vitória do Imperador, Casa das Letras,
LeYa, 2016, ISBN 978-989-741-461.
Cortesia
de CdasLetras/LeYa/JDACT