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Cartas
e quadras de Agostinho da Silva
«(…) Com este enquadramento, a
minha leitura dos textos dele (confesso que não sou um conhecedor muito
profundo da obra do professor Agostinho da Silva..., mas considero-me um
leitor, que nos últimos catorze-quinze anos tem procurado sempre nunca o perder
de vista) acabou por ser aclarada.
Tinha eu dezasseis anos, um dos
primeiros livros do professor que comprei foi um volume de quadras inéditas.
Coisa que eu, na altura, com a minha ingenuidade natural de dezasseis anos,
achei estranha, num pensador que eu já conhecia de uma conferência sua na escola
secundária onde eu era aluno. Considerava estranho uma pessoa como ele
dedicar-se a escrever quadras. Pensava eu, na altura, que as quadras serviam
apenas como veículo natural para os poetas da minha aldeia e arredores, poetas
orais que usavam e usam as formas fixas facilmente memorizáveis porque não têm
outro meio para se exprimirem. A pouco e pouco, a partir do momento em que
comecei a ler essas quadras, cheguei a uma conclusão, conclusão essa que
esqueci relativamente e, quando me foi lançado o repto para falar convosco,
tentei relembrar e aprofundar. E a conclusão-convicção é esta: quando um autor
escolhe um veículo estilístico, não o faz por acaso. E tem um propósito. Sendo
o professor Agostinho da Silva um autor, um filósofo, que gostava de insubordinar,
que gostava de inquietar e de surpreender, querendo evangelizar os outros com
os seus pensamentos e ideias, com as suas contradições (que as tinha),
precisava de encontrar instrumentos válidos para esse objectivo. As suas metas,
segundo me parece, não eram de elitismo. Ele tinha, na minha opinião, como
objectivo divulgar o seu pensamento entre todas as camadas da sociedade. Só
assim poderia educar Portugal. Agostinho da Silva deve ter tido consciência de
que, ao usar um meio tão simples quanto as quadras (que o povo, as populações
menos instruídas, reconhece facilmente também como seu), seria mais fácil levar
as pessoas a entenderem melhor ou a aderirem melhor ao seu pensamento. Isto vai
ao encontro de uma realidade apontada por uma grande estudiosa da literatura
tradicional, Ana Paula Guimarães: por debaixo de vestimentas muito simples
podem transmitir-se assuntos muito sérios.
Nesse livro, Quadras Inéditas, vários temas são
focados. Passam pela sua autofiguração como poeta, vão ao entendimento da vida
como poema, visionam Deus como um poeta, valorizam a imaginação, a
interioridade, o mistério como elemento essencial de uma vida integral,
reflectem sobre a relação entre o serviço e a autoridade, entre a aprendizagem
e os mestres, sobre despojamento material, o estoicismo e a humildade. Falou-se
aqui em franciscanismo; também está presente nalgumas das quadras do livro em
questão. Mas atenção. O fundamento que surge em todos estes textos é sempre a
humildade, humildade que não é apenas falsa modéstia (não a tinha), mas a
procura do húmus, daquilo que é mais verdadeiro e mais fértil no ser humano.
Essa humildade levava-o, por exemplo, a dizer que não era poeta. Abre esse
livro de quadras inéditas com esta estrofe:
Se
estas quadrinhas não prestam
com
certeza as compus eu
mas se
boas foi poeta
além de mim que mas deu.
Refere,
depois, quem é o Poeta para ele:
O
mundo é só o poema
em que
Deus se transformou
Ele
existe e não existe
tal a pessoa que sou.
A vida, para Agostinho, está toda
edificada enquanto poema, isto é, enquanto harmonia entre o conteúdo e a forma.
Tudo o
que faço na vida
é só
linha de poema
que
cada um ordenará
conforme for seu esquema».
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