A
menina de pés descalços, o sinete de cera vermelha. 1626
«(…) Um belo sorriso esparso, que
ele lhe devolveu como pôde, mas que não escapara a dele! A Mme. de Vendôme, de
muito mau humor, nesse dia em que desempenhava o papel de chefe de família numa
cerimónia que não lhe agradava. Efectivamente, o seu esposo, o duque César,
encontrava-se retido no governo da Bretanha, onde se atarefava em criar
dificuldades ao homem que mais detestava no mundo: o cardeal Richelieu,
ministro do rei Luís XIII. Todavia, durante o regresso, ela nada disse. Quando,
após uma noite agitada, François desceu às cavalariças nas primeiras horas da alvorada,
teve, no entanto, a surpresa de encontrar o escudeiro de sua mãe, o cavaleiro
de Raguenel, que não parava de andar de um lado para o outro no meio das idas e
voltas dos moços de estrebaria e dos aguadeiros. François fez de conta que não
o vira, mas o empregado veio ter com ele na altura em que chegava aos portões. Ora
bem, meu senhor François, onde pretendeis dirigir-vos a estas horas tão
matinais? Dar um último passeio. Perceval Raguenel era um homem cortês, amável;
contudo, François achou-o francamente antipático quando ele lhe perguntou: e
para onde contais ir, por favor? Acaso ignorais que temos de regressar a Paris
daqui a pouco? O que vos deixa sem tempo disponível. A não ser que tenhais
apenas a intenção de dar a volta ao parque... François ficou todo corado: quer
dizer, eu... Já não conseguia encontrar as palavras. O escudeiro veio em seu
auxílio: e se fôsseis falar à senhora duquesa? Ela espera-vos nos seus
aposentos. A minha mãe? Mas, porquê? Penso que vos dirá. Despachai-vos! Dentro
de dez minutos ela irá à capela ler o livro de orações.
Como não descortinava maneira de
agir de outro modo, François desatou a correr e, alguns momentos mais tarde,
uma camareira introduzia-o no quarto onde Françoise Vendôme acabava de se
pentear. Era o antigo quarto de Diane Poitiers, uma divisão sumptuosa, mas não muito
mais do que o eram as outras vinte e duas daquele castelo quase real. As
paredes e o tecto estavam pintados de cores vivas, realçadas a ouro; vários
tapetes cobriam o soalho precioso e tapeçarias magníficas aqueciam quase tanto
a atmosfera quanto o fogo que ardia na grande chaminé de mármore multicolor.
Nessa manhã de Março, o dia passava através das travessas da janela onde se
encastoavam vitrais pintados em camafeu cinzento que, podendo dar a ilusão de um
relevo e representando cenas do Antigo Testamento, não deixavam filtrar nenhuma
luz; no entanto, o fogo e as altas velas de cera branca encarregavam-se disso.
Logo
que transpôs a entrada, o jovem fez uma saudação, avançando, em seguida, para
sua mãe, no meio do bailado das acompanhantes que o olhavam sorrindo. Quanto a
Mme. Vendôme, ela não sorria. Ah! Eis-vos aqui! Julie, parece-me que isto está
bem, acrescentou, dirigindo-se à sua cabeleireira. Agora deixem-me e ide-vos
todas embora. Depois, quando a última aia transpôs a porta: pois bem, onde
contáveis ir a estas horas da manhã? Dar um último passeio, senhora, visto que
dentro em breve regressaremos a Paris. E para que bandas? Seria para o lado de
Sorel? O pequeno príncipe corou sem ousar responder, considerando a mãe com
certa apreensão. Na realidade, apesar do cuidadoso amor que lhes dispensava,
sem o mostrar excessivamente, Françoise Lorraine-Mercceur, duquesa de Vendôme
pelo seu casamento, possuía o dom de impressionar as suas três crianças bem
mais que o pai delas, o duque César, cujo carácter jovial e inclinação pelas
brincadeiras frequentemente jocosas e cuja despreocupação recordavam muitas
vezes as suas origens da região de Béarn (é uma região que corresponde à parte
oriental do departamento dos Pirenéus-Atlânticos Unida ao condado de Foix
(1290), no século XV passa com este para a casa de Navarra. O futuro rei
Henrique IV, rei de Navarra em 1572, foi o último conde de Béarn; Luís XIII
anexá-la à Coroa em 1620), faziam dele um interlocutor menos imponente». In Juliette
Benzoni, O Quarto da Rainha, Segredo de Estado, 1997, Bertrand Editora, 2000, 2009,
ISBN 972-251-097-5, ISBN 978-972-251-821-5.
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