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Amavisse
[…]
Aquele fino traço de colina
Quero trancar na cancela
Da alma. Alimento e medida
Para as muitas vidas do depois.
Curva de um devaneio inantigido
Um todo estendido adolescente
Aquele fino traço da colina
Há-de viver na paisagem da mente
Como a distância habita em certos
pássaros
Como
o poeta habita nas ardências.
Guardo-vos manhãs de terracota e
azul
Quando
o meu peito tingido de vermelho
Vivia a dissolvência da paixão.
O capim calcinado das queimadas
Tinha o cheiro da vida, e os
atalhos
Estreitos tinham tudo a ver com o
desmedido
E as águas do universo se faziam
parcas
Para afogar meu verso.
Guardo-vos, iluminadas
Recedentes manhãs tão irreais no
hoje
Como fazer nascer girassóis no
topázio
E
dos rubis, romãs.
Amor chagado, de púrpura, de
desejo
Pontilhado. Volto à seiva de
cordas
Da guitarra, e recheio de sons o
teu jazigo.
Volto empoeirada de vestígios,
arvoredo de ouro
Do que fomos, gotas de sal na
planície do olvido
Para recender a tua fome.
Amor de sombras de ocasos e de
ovelhas.
Volto como quem soma a vida
inteira
A todos os outonos. Volto novíssima,
incoerente
Cógnita
Como quem vê e escuta o cerne da
semente
E da altura de dentro já lhe sabe
o nome.
E reverdeço
No rosa de umas tangerinas
E
nos azuis de todos os começos.
[…]
Hilda
Hilst, Obra Poética Reunida (1950-1996), 1998, organização Costa Duarte,
Literatura brasileira século XX, Wikipédia.
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