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de wikipedia e jdact
Cartas
e quadras de Agostinho da Silva
«Contactei com Agostinho da Silva
relativamente jovem. Não pessoalmente. Nunca o conheci pessoalmente.
Mantivemos, apesar disso, um curto intercâmbio epistolar. Tudo partiu de uma
iniciativa do poeta Nicolau Saião que, tendo lido um artigo que escrevi e li numa
rádio em Portalegre sobre José Régio, achou conveniente e não despropositado eu
enviar cópia desse texto a alguns amigos ainda vivos do autor de Fado, um dos quais Agostinho da
Silva e a outra Matilde Rosa Araújo. Esse texto foi enviado. Esperava eu não
ter feedback (como agora
se diz...). Não pensava que o professor Agostinho da Silva fosse uma pessoa
indelicada, mas considerava que uma pessoa mergulhada em pensamentos, muito
mais importantes do que os de um jovem alentejano a escrever sobre José Régio,
não teria tempo para responder. O facto é que obtive resposta. E durante cerca
de um ano, um ano e meio, até pouco tempo antes de ele falecer, houve alguma
troca de correspondência, troca essa que me enriqueceu bastante, porque não
eram cartas meramente circunstanciais, mas cartas ou pequenos bilhetes que de
uma forma concentrada e quase aforística transportavam sínteses e confirmações
das leituras que eu fazia da obra do professor Agostinho da Silva.
Sobre vários assuntos comunicava
nas cartas. Às vezes aproveitando o pretexto de alguma coisa que eu havia
escrito nas minhas. Posso partilhar alguns extractos convosco. Sobre a questão
das comunidades linguísticas, das comunidades económicas e da integração
europeia, a dada altura, em 1993, escreveu-me:
A
comunidade certa para Portugal tem agora início da parte do Brasil, que aqui
delegou no Embaixador José Aparecido Oliveira, e que é ainda imaginação dos do
culto [do] Espírito que passaram às Américas no [século] XVI. Comunidade dos
Povos de Língua Portuguesa. Um dia iremos
mais em frente e seremos uma Comunidade Mundial dos Povos de Línguas Ibéricas.
Pense só na extensão disto. Veja só quanto mundo. Das Baleares a Timor, apesar
de qualquer sentença contra Xanana. Capital? Cada um a tenha dentro de si, e,
no mapa, a adore como lhe for próprio em todos os aspectos do concreto e do
transcendente.
De uma maneira muito resumida,
concentra-se aqui todo um pensamento sobre as comunidades linguísticas e sobre
a importância da língua como pátria. Sobre a vivência interior e exterior, um
problema que deveria mobilizar o pensamento de todos os humanos, em determinado
momento, perante uma certa desilusão que se notava nas cartas relativa ao seu apostolado (chega a dizer: em Portugal, já se escreveu bastante. Falta
agir), usa uma máxima que passou a ser para mim, em conjunto com outras,
quase uma regra de vida:
O
fundamental é que não acabemos por dentro, e o que temos que estabelecer é como
vamos viver num mundo tão complicado. Temos que viver plenamente por dentro e
daí tirar a cal para caiar o universo.
Passou a ser quase uma máxima de
vida para mim. Tirar da vivência do dia a dia a cal para caiar o universo... A
relação entre o individual e o universal... O professor Agostinho, nesse ano e
meio de intercâmbio, tinha grandes manifestações de humanidade. Uma pessoa que
dedicava a sua vida à especulação filosófica, preocupava-se ainda com o facto
de eu ter o meu pai internado no Hospital de São José, em Lisboa. E teve o
cuidado, numa carta, de me perguntar com evoluía o estado de saúde dele, quando
a minha referência ao facto havia sido meramente marginal. Ainda sobre o
pensamento dele e esses quase aforismos que escrevia, e que eu tive o
privilégio de receber, vinha frequentemente à colação a religião, que era
fundamental nele, aliás. Não só o culto do Espírito Santo, mas toda uma maneira
própria de ver esses assuntos. A dada altura escreveu:
Toda a
religião que vale é apenas a crença que se pode ter seguido que não é
demonstrável por matemática, e que é, quanto a mim, a Credibilidade Absoluta,
aquilo que é totalmente o de que nós todos temos uma centelha, o sermos todos
criadores, mais ou menos apreciados, o que não importa; seja como for, criemos.
E para o enjoo que tanta vez o diário traz, o mesmo remédio que se usa a tudo
[?]: Olhar o horizonte e escutar o grito da chegada, mesmo que o não haja». In Ruy Ventura, A Cal para Caiar o Universo,
arquivors.com/ruy_acal.pdf,
2007, wikipedia.
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