domingo, 7 de julho de 2019

O Quarto da Rainha. Segredo de Estado. Juliette Benzoni. «Ela perguntar-lhe-ia de onde vinha e, como ainda não sabia mentir, dir-lhe-ia a verdade. O castigo viria mais tarde mas, naquele momento preciso, teria de suportar o seu olhar severo…»

Cortesia de wikipedia e jdact

A menina de pés descalços, o sinete de cera vermelha. 1626
«O céu encobria-se. Enquanto galopava, o jovem cavaleiro lançou um olhar pleno de rancor à nuvem negra que pairava sobre a sua cabeça desde que saíra do castelo de Sorel. Se por acaso fosse menos bom cristão ter-lhe-ia mostrado o punho, mas tal gesto teria sido uma ofensa a Deus, o que um miúdo de dez anos não se podia permitir, mesmo tratando-se de François Vendôme, príncipe de Martigues e neto do rei Henrique IV que, quanto a ele, se permitira muitas outras coisas. Isso não impedia que, caso a trovoada se desencadeasse naquela altura, ela o atrasasse e em nada contribuísse para compor as suas histórias, já então impregnadas de aventuras. Sabia, no entanto, a que se arriscava ao deixar Anet sem prevenir, ele próprio selara o seu cavalo e as consequências da sua escapadela eram fáceis de adivinhar. A única oportunidade de lhes escapar era regressar discretamente. Chegar depois do toque de trompa que anunciava a tempestade seria uma verdadeira catástrofe, pois o seu preceptor, M. d’Estrades, não brincava com a disciplina: François seria vergastado. Já se preparava para isso, mas algumas azorragadas a mais ou a menos era sempre algo a levar em consideração. Sem contar com o acolhimento que receberia da duquesa, sua mãe...
Ela perguntar-lhe-ia de onde vinha e, como ainda não sabia mentir, dir-lhe-ia a verdade. O castigo viria mais tarde mas, naquele momento preciso, teria de suportar o seu olhar severo, tanto mais penoso porquanto pesar-lhe-ia um silêncio que lhe daria plena consciência de ter decepcionado uma mãe que amava e admirava, não estando longe de ver nela uma santa. Todavia, fora com conhecimento de causa que desobedecera: por vezes, acontece termos de escolher entre o dever e os arrebatamentos do coração. Já havia algum tempo que o de François o atraía para o castelo de Sorel mas, nesse dia, a atracção tornara-se irresistível. O rapaz acabara de saber que a pequena Louise apanhara uma doença cujo nome não conseguira decorar. Apenas entendera que dela se podia morrer ou ficar desfigurado. Uma ideia que o apaixonado de dez anos não podia suportar: era preciso que fosse ver! O seu encontro com a pequena Séguier datava de 14 de Março, alguns dias antes da Primavera. Nessa data celebrava-se, todos os anos, uma missa de acção de graças na abadia beneditina de Ivry, em memória da vitória alcançada pelo rei Henrique IV sobre as tropas do duque de Mayenne. Os Vendôme compareciam em peso à cerimónia, apesar da duquesa que recebera à nascença o nome de Françoise Lorraine-Mercoeur contasse o vencido entre a sua parentela. Assim o desejava o duque César, filho varão do grande rei e da encantadora Gabrielle d’Estrees. É claro que para as famílias de certa importância, residentes nas proximidades, era um dever comparecer. Era o caso da de um rico conselheiro no Parlamento em Paris, Pierre Séguier, conde de Sorel, acompanhado de sua mulher, Marguerite de la Guesle, e de sua filha. Louise era criança única de um casal que a adorava visivelmente, e que dela muito se orgulhava. E com devida razão: ninguém podia olhar para aquele pedacinho de mulher de seis anos sem sentir a necessidade de a abraçar ou, pelo menos, de lhe sorrir. Plena de frescura, de tez cor-de-rosa, delicada como uma rosa silvestre, ela exibia uns cabelos louros e encaracolados deslumbrantes, que a tira de veludo azul do mesmo azul que o dos seus olhos mal conseguia manter no devido lugar. Bem-comportada, sentada ao lado de sua mãe, durante todo o serviço ela conservou os olhos baixos no terço de marfim enrodilhado nos seus dedinhos, à excepção de um breve momento em que voltou a cabeça, como se sentisse que a olhavam, erguendo os olhos na direcção do rapazinho, para lhe sorrir». In Juliette Benzoni, O Quarto da Rainha, Segredo de Estado, 1997, Bertrand Editora, 2000, 2009, ISBN 972-251-097-5, ISBN 978-972-251-821-5
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Cortesia de BertrandE/JDACT