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de wikipedia e jdact
A
menina de pés descalços, o sinete de cera vermelha. 1626
«O
céu encobria-se. Enquanto galopava, o jovem cavaleiro lançou um olhar pleno de rancor
à nuvem negra que pairava sobre a sua cabeça desde que saíra do castelo de
Sorel. Se por acaso fosse menos bom cristão ter-lhe-ia mostrado o punho, mas
tal gesto teria sido uma ofensa a Deus, o que um miúdo de dez anos não se podia
permitir, mesmo tratando-se de François Vendôme, príncipe de Martigues e neto
do rei Henrique IV que, quanto a ele, se permitira muitas outras coisas. Isso
não impedia que, caso a trovoada se desencadeasse naquela altura, ela o
atrasasse e em nada contribuísse para compor as suas histórias, já então
impregnadas de aventuras. Sabia, no entanto, a que se arriscava ao deixar Anet
sem prevenir, ele próprio selara o seu cavalo e as consequências da sua
escapadela eram fáceis de adivinhar. A única oportunidade de lhes escapar era
regressar discretamente. Chegar depois do toque de trompa que anunciava a
tempestade seria uma verdadeira catástrofe, pois o seu preceptor, M. d’Estrades,
não brincava com a disciplina: François seria vergastado. Já se preparava para
isso, mas algumas azorragadas a mais ou a menos era sempre algo a levar em
consideração. Sem contar com o acolhimento que receberia da duquesa, sua mãe...
Ela
perguntar-lhe-ia de onde vinha e, como ainda não sabia mentir, dir-lhe-ia a
verdade. O castigo viria mais tarde mas, naquele momento preciso, teria de
suportar o seu olhar severo, tanto mais penoso porquanto pesar-lhe-ia um
silêncio que lhe daria plena consciência de ter decepcionado uma mãe que amava
e admirava, não estando longe de ver nela uma santa. Todavia, fora com
conhecimento de causa que desobedecera: por vezes, acontece termos de escolher
entre o dever e os arrebatamentos do coração. Já havia algum tempo que o de
François o atraía para o castelo de Sorel mas, nesse dia, a atracção tornara-se
irresistível. O rapaz acabara de saber que a pequena Louise apanhara uma doença
cujo nome não conseguira decorar. Apenas entendera que dela se podia morrer ou
ficar desfigurado. Uma ideia que o apaixonado de dez anos não podia suportar:
era preciso que fosse ver! O seu encontro com a pequena Séguier datava de 14 de
Março, alguns dias antes da Primavera. Nessa data celebrava-se, todos os anos,
uma missa de acção de graças na abadia beneditina de Ivry, em memória da
vitória alcançada pelo rei Henrique IV sobre as tropas do duque de Mayenne. Os
Vendôme compareciam em peso à cerimónia, apesar da duquesa que recebera à
nascença o nome de Françoise Lorraine-Mercoeur contasse o vencido entre a sua parentela.
Assim o desejava o duque César, filho varão do grande rei e da encantadora
Gabrielle d’Estrees. É claro que para as famílias de certa importância,
residentes nas proximidades, era um dever comparecer. Era o caso da de um rico
conselheiro no Parlamento em Paris, Pierre Séguier, conde de Sorel, acompanhado
de sua mulher, Marguerite de la Guesle, e de sua filha. Louise era criança
única de um casal que a adorava visivelmente, e que dela muito se orgulhava. E
com devida razão: ninguém podia olhar para aquele pedacinho de mulher de seis
anos sem sentir a necessidade de a abraçar ou, pelo menos, de lhe sorrir. Plena
de frescura, de tez cor-de-rosa, delicada como uma rosa silvestre, ela exibia
uns cabelos louros e encaracolados deslumbrantes, que a tira de veludo azul do
mesmo azul que o dos seus olhos mal conseguia manter no devido lugar.
Bem-comportada, sentada ao lado de sua mãe, durante todo o serviço ela conservou
os olhos baixos no terço de marfim enrodilhado nos seus dedinhos, à excepção de
um breve momento em que voltou a cabeça, como se sentisse que a olhavam,
erguendo os olhos na direcção do rapazinho, para lhe sorrir». In Juliette
Benzoni, O Quarto da Rainha, Segredo de Estado, 1997, Bertrand Editora, 2000, 2009,
ISBN 972-251-097-5, ISBN 978-972-251-821-5
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