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«O
Mito é o nada que é tudo». In Fernando Pessoa
História concisa do mito de Portugal
«(…) A publicação das
trovas do Bandarra foi recebida pelos nacionalistas portugueses, que aspiravam
libertar-se do domínio dos Filipes, como um texto profético, tal a própria
interpretação do seu editor, que assim aparecia como o primeiro apóstolo do
sebastianismo, a propiciar a verdade do regresso do rei libertador e
restaurador. Quando, em 1641, acompanhando uma delegação de colonos do Brasil, Vieira
chegou a Portugal para o juramento de fidelidade do Brasil a João IV, abriu-se
às expectativas sebastianistas de um reino em festa no primeiro ano da
Restauração, perfilhou-as e fez-lhes a primeira aproximação no Sermão dos
Bons Anos, pregado, no mesmo ano, em Lisboa, na Capela Real, no qual se
mostra conhecedor das aspirações bandarristas ao reino do Encoberto,
baseando-se nas epístolas apócrifas de São Bernardo, nas profecias de São frei
Gil e no Juramento de Afonso Henriques. Lançava, assim, os alicerces da sua
assombrosa construção do Quinto Império, de modo tal que é sobretudo a ele que
o mito de Portugal deve os fundamentos teológicos da profecia e da escatologia,
também a reorientação no sentido da crença e da vivência sebásticas do corpo
profético que lhe é anterior, de São Bernardo e São frei Gil ao Bandarra ou, na
cronologia mítico-profética de Portugal, do Milagre de Ourique à Restauração.
A desmitologização da história
daria um rude golpe no mito de Portugal, sobretudo na glória messiânica e
predestinação imperial. Não se deve exclusivamente à Geração de 70, mas, no
recuo ao século XVIII, à crítica dos Estrangeirados, que formaram de Portugal a
primeira ideia de decadência, que, feito o trânsito pelo Marquês de Pombal e o
despotismo, atingiria o seu decisivo cume com a Geração de 70. O diagnóstico do
reino, que alcançou em Luís António Verney (1713-1792) e no Verdadeiro Método de Estudar (1746) a maior acuidade, estremeceu
o Portugal de então, adormecido na contemplação do passado, vitimado pelo
atraso económico e cultural. Foi o momento inicial de uma autognose que aluiria
fortemente as mais arraigadas crenças propostas pelo mito. Do iluminismo
transitaria para o socialismo utópico de um Antero de Quental e o positivismo
de um Teófilo Braga, as matrizes políticas fortes no quadro das opções da
segunda metade de Novecentos, vingasse embora a de Teófilo, vindo a desaguar no
meio revolucionário da Primeira República, em cujo contexto a autognose deu os
contrários da ideia de decadência, nomeadamente com o Integralismo Lusitano de António
Sardinha e o Saudosismo de Teixeira de Pascoaes, áugures de um novo Portugal, de
uma nova imagem que teve sobretudo em Pascoaes e na Renascença Portuguesa a sua
expressão mais completa.
Embora o século XIX português, na
sequência dos Estrangeirados, salvaguardada a diferença dos contextos
históricos, acrescentasse ao mito de Portugal a componente da decadência,
lendo-o ou reinterpretando-o para exemplificar o seu aspecto negativo, tanto no
ponto de vista cultural e social, quanto no político e económico, não deixou de
formar o olhar mítico, agora dirigido à Europa, como se desta viesse, e já não
do interior nem do eixo da política atlântica do reino, que formara a gesta dos
Descobrimentos, a salvação de Portugal. Ainda que a ideia setecentista e
novecentista de decadência tivesse contido, como conteve, o fermento de novos
valores e ideais, a imagem do Portugal decadentista gerou, na consciência dos
Portugueses, a inanidade do mito de Portugal, o que instaurou o vácuo no lugar
onde havia o centro, o que proporcionou os transes colectivos de uma psicologia
negativa, ou de autonegação, das capacidades do nosso intelecto e acção,
flagrante antítese, em psicologia e em vontade, dos portugueses de Quinhentos e
de Seiscentos, que foram os forjadores do mito de Portugal e que viveram in illo tempore a relação nele
oculta do sonho que transformou a face do globo». In Manuel Cândido Pimentel, O
Mito de Portugal nas suas Raízes Culturais, Wikipedia.
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