Cortesia
de wikopedia e jdact
Quando eu não te tinha
«Amava a Natureza como um monge
calmo a Cristo...
Agora amo a Natureza
Como um monge calmo à Virgem
Maria,
Religiosamente, a meu modo, como
dantes,
Mas de outra maneira mais
comovida e próxima.
Vejo melhor os rios quando vou
contigo
Pelos campos até à beira dos
rios;
Sentado a teu lado reparando nas
nuvens
Reparo nelas melhor...
Tu não me tiraste a Natureza...
Tu não me mudaste a Natureza...
Trouxeste-me a Natureza para ao
pé de mim.
Por tu existires vejo-a melhor,
mas a mesma,
Por tu me amares, amo-a do mesmo
modo, mas mais,
Por tu me escolheres para te ter
e te amar,
Os meus olhos fitaram-na mais
demoradamente
Sobre todas as cousas.
Não me arrependo do que fui
outrora
Porque ainda o sou.
Só
me arrependo de outrora te não ter amado.
Está alta no céu a lua e é
primavera.
Penso em ti e dentro de mim estou
completo.
Corre pelos vagos campos até mim
uma brisa ligeira.
Penso em ti, murmuro o teu nome;
não sou eu: sou feliz.
Amanhã virás, andarás comigo a
colher flores pelos campos,
E eu andarei contigo pelos campos
a ver-te colher flores.
Eu já te vejo amanhã a colher
flores comigo pelos campos,
Mas quando vieres amanhã e
andares comigo realmente a colher flores,
Isso
será uma alegria e uma novidade para mim.
Agora que sinto amor
Tenho interesse nos perfumes.
Nunca antes me interessou que uma
flor tivesse cheiro.
Agora sinto o perfume das flores
como se visse uma coisa nova.
Sei bem que elas cheiravam, como
sei que existia.
São coisas que se sabem por fora.
Mas agora sei com a respiração da
parte de trás da cabeça.
Hoje as flores sabem-me bem num
paladar que se cheira.
Hoje
às vezes acordo e cheiro antes de ver».
[…]
In
Alberto Caeiro, O Pastor Amoroso, digitalizado por Eduardo Lopes O. Silva, Rio
de Janeiro, 2006, Wikipedia.
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