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de wikipedia e jdact
As
Periferias e o Centro. Redes de poder no reinado de Sancho II (1223-1248)
Com
a devida vénia a José Varandas
«Desde
há muito que entre os historiadores da sociedade medieval europeia se consolidou a noção de que durante o século
XIII se verificaram mudanças substanciais nos comportamentos e valores sociais,
culturais e políticos dos vários reinos da Cristandade. Dentro das diversas
alterações que aquele período conheceu uma delas sobressai em absoluto. A noção
de que este é o século onde numa Europa profundamente Católica, a Igreja perde
alguma da sua influência e capacidade de governação. Não no que concerne ao seu
universo específico, aí no plano espiritual e na gestão dos seus patrimónios,
continuam exímios e o modelo de organização a que chegam é quase perfeito. A
viragem, ou seja o problema, está na maneira como foram administrando e actuando
sobre a sociedade civil. As grandes modificações que os movimentos reformistas
e de transformação cultural ocorridos ao longo do século XII foram introduzindo
e consolidando, e que encontravam cada vez mais eco na sociedade laica, tendiam
a escapar ao controlo da Igreja. A Europa secularizava-se em todos os campos onde
existia actividade humana: na arte, na literatura, na economia, nas
instituições e, claro, na política. Não cabendo a este trabalho o estudo
profundo dessas transformações, das suas causas e consequências, interessa-nos
contudo explorar um dos caminhos visíveis e determinador na forma como a
opinião pública daqueles tempos se alterou. Esse caminho é o que leva à
laicização da sociedade medieval europeia e da forma como ela se expressa na
realidade portuguesa, em especial durante o reinado de Sancho II. A afirmação
de novos valores políticos na Europa, onde o papel do soberano e da sociedade
laica ganham cada vez maiores adeptos e a ideia de Reino, cada vez mais, se consubstancia,
numa realidade tendencialmente homogénea e coerente, garantida pela continuidade
física e política entre o centro de poder e as fronteiras e, claramente desfavorável
à manutenção dos velhos subsistemas feudais e esferas de influência regionais.
No processo de laicização da
sociedade percebemos que o poder se transfere da Igreja para o Estado, em
muitas das suas componentes. Desde a alta Idade Média que a Igreja controlava o
sistema político europeu. A ênfase atribuída à ideia de Cristandade sobrepunha-se
(ou devia sobrepor-se no entender da Igreja) a qualquer outra definição. O indivíduo
devia a sua obediência a esta noção. Em primeiro lugar era um cristão, era aqui
que estava a base da sua existência, depois vinham as outras ligações, onde as
nacionais ocupavam o último lugar da hierarquia (na realidade francesa anterior
ao século XIII a escala de valores para um indivíduo podia ser definida desta forma:
em primeiro lugar era um cristão, depois um borguinhão e francês só em terceiro
lugar; neste último caso ser francês significava apenas ser natural do norte da
actual França).
A Christianitas era o laço mais forte entre os
europeus, criando a expectativa de uma Europa pan-nacional, com um nacionalismo
específico e traduzido nos exércitos que se armavam para as Cruzadas (muitos
autores falam da ideia de cidadania europeia, apontando o facto de clérigos e
intelectuais especializados ou cavaleiros poderem encontrar emprego em qualquer
nação da cristandade, independentemente do seu país de origem). Promovia-se a livre
circulação e estabelecia-se um controlo supranacional sobre todos os aspectos
da sociedade europeia onde o poder residia nas mãos do papa. Era, para o clero,
uma situação satisfatória. Politicamente, controlavam os diferentes reinos
europeus, cujas dificuldades de coexistência pacífica eram conhecidas. As
disputas de fronteiras entre reinos e entre casas senhoriais eram uma constante;
a guerra entre países cristãos uma certeza política, situação que era
intolerável para a Igreja, que pregava os valores da paz e da justiça. E este
aspecto leva-nos por um novo caminho. Parece-nos ser a Igreja a primeira a
abrir o ferrolho à entrada de novas ideias, em especial aquelas que podiam vir
a alterar alguns modelos de comportamento na liderança dos reinos. Se os ideais
de paz e de justiça apregoados pela Igreja desde sempre pudessem ser garantidos
pela fortificação da ideia de soberania do rei, tanto melhor. De certa forma os
eclesiásticos ocidentais abriam o caminho a reformas profundas, que a breve
trecho iriam contribuir para uma inevitável laicização da cultura política
europeia.
Neste
trilho que os reinos europeus vão percorrendo para a sua autonomia estão em
causa outros aspectos vitais à sociedade. Não é apenas a questão militar aquela
que provoca desagrado ao clero, também o aumento das transacções comerciais e
da capacidade produtiva os deixa apreensivos. A expansão da economia medieval,
em particular a dos centros urbanos, e a ocupação de novos espaços precipita a
necessidade de existência de governos centrais mais organizados e fortes. Se a
Igreja pouco faz pelo desenvolvimento das actividades comerciais, por outro
interessa-lhe (e participa activamente nisso) que os sistemas monárquicos sejam
mais eficientes e capazes na administração e controlo dos respectivos reinos». In José
Varandas, Bonus Rex ou Rex Inutilis, As Periferias e o Centro. Redes de poder
no reinado de Sancho II (1223-1248), Ude Lisboa, FdeLetras, DdeHistória, Tese
de Doutoramento em História, História Medieval, 2003, Wikipedia.
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