Cortesia de Instituto Camões
Com a devida vénia a José Virgílio Amaro Pissarra e ao Instituto-Camões, publico algumas palavras.
Galé
«O principal navio de remo ocidental e tipologia de referência para toda a família dos navios de remo. Tanto os exemplares mais antigos, surgidos há milhares de anos no mediterrâneo oriental, como as relíquias da segunda metade do século XIX partilhavam as mesmas características nucleares, definindo uma tipologia de embarcação de enorme longevidade: navio muito longo, de baixo bordo, com relações entre boca e comprimento de quilha de 1:4,5 até 1:9, usando remos e velas, mas construído tendo em vista a óptima exploração das potencialidades do sistema de remo, o único a garantir a autopropulsão até ao advento do vapor.
A galé foi . A partir dessa transformação, as galés passaram ao estado obsoleto em muitas condições de operação, mas em mares de ventos difíceis, em zonas costeiras e fluviais e onde quer que se enfrentassem forças compostas por meios similares, devido à sua independência em relação aos ventos e consequente liberdade táctica, retiveram uma utilidade que lhes permitiu sobreviver até ao século XIX.
Cortesia de gforum
As galés de finais do século XV e do século XVI descendiam directamente das congéneres medievais tendo, no geral, dimensões mais generosas e exibindo, progressivamente, alterações devidas à montagem da artilharia, em toda a estrutura e ostensivamente na superstrutura da proa. Não só em termos relativos, mas também em valores absolutos as galés eram os navios mais longos de qualquer armada, podendo ultrapassar os cinquenta metros de comprimento e mesmo as dimensões das suas parentes de estruturas reforçadas, as galeaças.A classe continha navios de dimensões bastante variadas que subiam dos vinte bancos das galés subtis, muitas vezes classificadas como galeotas, até aos trinta e dois das grandes galés reais, representando comprimentos entre os trinta e cinquenta metros. As medidas de um navio de remo não se davam em rumos como nos navios de alto bordo, mas sim em goas, nem as unidades se classificavam pela arqueação, mas antes pelo número de bancos de cada bordo. O número de velas variava entre uma e quatro, de pano latino; algumas grandes galés armavam com um traquete redondo, com um aparelho muito ao jeito das caravelas redondas; os portugueses chamavam a esta variante galé bastarda. É possível que este tipo de aparelho se instalasse em unidades menores, pois a exclusividade latina do aparelho das galés era uma consequência da adaptação às condições mediterrânicas. As galés portuguesas eram obrigadas a usar o pano com maior frequência, porque as suas zonas de operação estendiam-se por mares mais agitados, onde frequentemente eram obrigadas a efectuar longos cruzeiros e navegações com menos escalas. As enormes velas latinas, exigentes em maneio, provocavam uma sobrecarga do número de tripulantes e um maior encurtamento do raio de acção, o que era pouco conveniente, sobretudo nestas condições.
Cortesia de wikipédia
O sistema tradicional de remo, alla sensile, em que os remadores remavam cada um com um remo, normalmente três por banco, reconhecido na iconografia pelas características triplas de remos – daí a designação “trirreme”- esteve em uso até meados do século XVI. Pelos inícios de quinhentos esta disposição começou a ser substituída por um sistema bem menos complexo e mais eficiente. A voga dita al scaloccio, com um grande remo por banco, de três a cinco remadores (chegando a sete em unidades excepcionais), passou a ser o padrão até à extinção dos navios de remo, no século XIX. As galés eram navios “maus de leme”, consequência do seu alongamento, da reduzida altura e dimensão do leme e da fragilidade da montagem dos lemes de popa redonda. Em consequência, os remos eram também fundamentais como auxiliares das manobras. A chusma, máquina humana, era inútil sem um elevado nível de sincronização que os comitres e sota-comitres obtinham à custa de muito treino, disciplina e brutalidade.Numa altura em que os grandes navios de vela parecem querer transformar-se em fortalezas flutuantes, as maiores galés tem dificuldade em achar espaço para colocar uma meia dúzia de peças de artilharia de calibre significativo. A estrutura e a morfologia das galés não aceitava um número elevado de bocas de fogo grossas, como não aceitava a instalação de uma bateria moderna. Podemos considerar a colocação de artilharia neste tipo de navios como um implante sobre um modelo concebido para um tipo de combate de outro tempo, que se baseava no abalroamento e na abordagem com soldados e no disparo de flechas e dardos sobre o inimigo. Os bordos do navio, ocupados como estavam pelos remos, eram, por regra, pontos mortos e vulneráveis em situação de combate. De facto, toda a força do navio se exercia num sentido longitudinal como se se tratasse de um aríete e isso condicionava todo o comportamento da embarcação na batalha.
Cortesia de afmatatropicalia
Os portugueses usaram galés e outros navios de remo onde quer que as condições o exigissem, tendo tido, ao longo do século XVI, unidades operacionais nas águas próximas e no Oriente. Embora o grosso da grande armada portuguesa da Índia fosse constituído por navios de remo mais ligeiros, um número reduzido de galés manteve-se operacional. Ainda que fossem dispendiosas, em dinheiro e tripulantes, e a sua construção exigisse um saber muitas vezes estranho a construtores especialistas em navios oceânicos, obrigando à contratação a alto preço de mestres estrangeiros, as galés eram navios muito úteis como escoltas dos navios de alto bordo, comandos de flotilhas de navios de remo, transportes tácticos, plataformas de tiro e desembarque e, não menos importante, como navios de prestígio. As galés eram também exigidas, porque as armadas dos principais inimigos orientais dos portugueses, no século XVI, particularmente a otomana, eram constituídas por galés e outros navios de remo, que não podiam ser combatidos eficazmente apenas com os navios de alto bordo.As galeotas não eram mais do que galés de dimensões reduzidas e com artilharia proporcionalmente inferior em número e calibre ou ainda galés alla sensile com dois remadores por banco (birremes)». In José Virgílio Amaro Pissarra, Instituto Camões.
Cortesia de salgari
Bibliografia
- DOMINGUES, Francisco Contente, Os Navios da Expansão. O Livro da Fabrica das Naos de Fernando Oliveira e a arquitectura naval portuguesa dos séculos XVI e XVII, vol. I, Lisboa, 2000, pp. 584-590;
- MORRISON, John (coord.), The Age of Galley. Mediterranean Oared Vessels since pre-classical Times, London / Annapolis, 1995;
- PEDROSA, Fernando Gomes (coord.), Navios, Marinheiros e Arte de Navegar. 1139-1499, Lisboa, 1997, pp. 46-57;
- PISSARRA, José Virgílio Amaro, A Armada da Índia. Cômputo, tipologia e funcionalidade das armadas de guerra portuguesas do Oriente (1501-1510), Lisboa, 2001, pp. 68-99.