terça-feira, 7 de setembro de 2010

A peste em Évora: A Corte de D. João III no Alentejo. Um episódio dramático (1531-1532)

Planta da cidade de Évora
Cortesia de joaoleitao
A Corte de D. João III no Alentejo.
Um episódio dramático: a peste em Évora (1531-1532)

por Maria de Deus Beites Manso

Com a devida vénia a Maria de Deus B. Manso e à Universidade de Évora publico algumas palavras.
Dois aspectos frequentemente ignorados no longo reinado de D. João III devem ser salientados: por um lado a instalação da corte em Évora (1531-1537) e por outro as inúmeras catástrofes naturais, seguidas de fomes e pestes.

Cortesia de nonasnonas
Em relação ao primeiro assunto, foi intenção do monarca fazer de Évora a capital política do Reino. É ainda, durante a sua estada naquela cidade, a 3 de Janeiro de 1533, que a vila de Portalegre foi escolhida para sede de uma nova correição, quer pelo desenvolvimento da sua indústria e população, quer pela presença de numerosos nobres. Ainda, em 1549, pelos motivos já referidos, criou aí uma diocese e em 1550 elevou a vila à categoria de cidade.

Se é verdade que o monarca herdou um vasto Império, não é menos verdade que a riqueza foi acompanhada de sofrimento, como se depreende das palavras de frei Luís de Sousa: «Entrou o ano de 1522 com tamanho aperto de fome, nascido do ano atrás...». Braamcamp Freire realçou também este aspecto sombrio: «Passara o ano da morte de D. Manuel, ano de terríveis fomes em todo o reino provindas da esterilidade do procedente...».

Cortesia de purl


A situação acima referida continuou por vários anos, pois Frei Claude de Bronseval, ao visitar Portugal de 1531 a 1533, deparou com uma sociedade pobre onde salientou a falta de alimentos, o número reduzido de estalagens, o abandono da agricultura e a esterilidade dos solos. Também Clenardo, nas observações feitas à sociedade de quinhentos, destacou sobretudo a falta de alimentos, o elevado custo de vida, a ociosidade e a escravatura:
  • «Se algures a agricultura foi tida em desprezo, é incontestavelmente em Portugal... se há algum povo dado à preguiça sem ser o português, então não sei onde ele exista… Os escravos pululam por toda a parte. Todo o serviço é feito por negros e mouros cativos. Portugal está a abarrotar com essa raça de gente...».
Mas o maior e mais grave acontecimento foi o terramoto ocorrido em 26 de Janeiro de 1531, que Garcia de Resende pareceu prever, através dos insólitos acontecimentos por ele descritos na sua Miscelânea. Os abalos de terra, que se prolongaram por bastante tempo, atingiram essencialmente Lisboa, a zona do Tejo, com particular incidência em Santarém, Almeirim, Azambuja, Castanheira, Vila Franca de Xira, Benavente, Cartaxo, Tancos, Óbidos, Torres Vedras, Setúbal e Alcácer.

Real Português Dobrado - D João III
Cortesia de forumnumismatica
A par do terramoto que se fez sentir sobretudo na região de Lisboa, também algumas zonas do Alentejo foram atingidas em 1531 por uma forte crise. Não apenas Évora, mas Vila Viçosa, Borba, Veiros e outros lugares sofreram o efeito de um «fogo e raios do ceo» que vitimou as culturas, homens e animais, como podemos verificar:
  • «Aos desassete dias d’Agosto de 1531 choueo fogo e rajos do ceo antre Monforte e veiros e villa vicoza, e borba, e outros lugares e queimou bestas e gados, e homens e trigo; e fez outro dano isto foi segunda feira as outo horas da noute».
O desespero e o medo da morte tornaram-se uma constante no dia a dia, o que levou a que parte da população dormisse nos campos, nas praças e em tendas, fazendo procissões e romarias para que Deus terminasse com o sofrimento. A família real envolta de tristeza e dor, resolveu «refugiar-se» em Évora, pois a cidade não tinha sido atingida pelo sismo. Aqui, podia esquecer a agitação sentida na região de Lisboa, que já na altura vivia sobre os efeitos da peste, enquanto Évora a tinha irradiado em finais de 1530. No entanto, ao findar 1531, a epidemia alastrou de novo na cidade mantendo-se até Julho de 1532. Esta situação agravou ainda mais as carências da população, sobretudo de ordem alimentar, pois o pão praticamente não existia e para evitar a sua falta recorria-se ao exterior. A carne que havia era vendida a um preço superior ao seu valor, o que levava a grandes fomes.
A descrever este panorama sombrio, encontramos um documento, que não está datado, e que Túlio Espanca situa em 1530. Através do seu conteúdo, pensamos que é de finais de 1531 ou princípios de 1532, por se referir à saída da Corte e à situação de pobreza em que Évora ficava, estipulando que a carne seja cortada pelo preço determinado desde esta data até ao Entrudo, época festiva que ocorre no mês de Fevereiro:
  • «Pede a cidade d'evora a Vosa alteza que avemdo Respeito a nesta Cidade não aver nehum pão E com sua partida ficaar de todo gastada E sem nehua proujsão aja por bem de nela não aver taxa no pão porque desta maneira podera acudir alguum de fora. E se alguas pesoas Relegiosas o teuerem ou alguuns grandes folgação de o venderem de praca... Item que Vosa Alteza lhe faça merçe que do pão que tem em Olivença mande leixar nesta cidade dozentos ou trezentos moyos ou que Vosa Alteza ouver per seu serviço porque d'outra maneira parecerá este pouo...».
Uma outra carta, enviada de Alvito, a 2 de Dezembro de 1531, pelo Monarca à Cidade em resposta aos vereadores, ordena que seja criada uma casa para receber os doentes da peste, tentando desta forma evitar que ela se propague: «... açerca da casa que hordeno que aja pera os que adoecem de peste...».

Cartas da Chancelaria de D. João III, datadas da década de 1530
Cortesia de fenodeportugal
O interesse em que a epidemia fosse depressa erradicada era grande, pois a Corte estava ansiosa em regressar de novo. Talvez fosse esta a razão porque o Monarca mostrou grande satisfação ao ser informado de que a peste terminara.
Para que a doença não voltasse era necessário impedir a entrada de pessoas de outras localidades que tivessem estado sob o seu efeito ou fossem portadoras da doença. É com grande entusiasmo que o Soberano escreve à cidade em 30 de Julho de 1532 sobre o assunto:
  • «Juiz vereadores procurador da mynha cydade d'euora eu el Rey vos enuyo muyto saudar vy a carta que me escreveste E agradeco-uos muyto as boas novas que mandaes da cydade E espero em noso senhor que a saude dela va de bem em mylhor E vos teris tall maneira no entrar da jente que se recolhe a cydade que nom entre nhua pesoa empedyda E sabereis se allgum lugar esteve empedydo pera que nom recolham nunguem della...».
No entanto, só nos finais de Julho ou princípios de Agosto é que a corte regressou a Évora, para daí sair passados cinco anos. As calamidades não tinham, porém, terminado. Estando ainda o Monarca em Évora, Benavente foi atingida por um sismo em Abril de 1537. Apesar da fraca intensidade os seus efeitos fizeram-se sentir nos estragos provocados em edifícios, nomeadamente onde estava instalada a câmara. In Maria de Deus Beites Manso

Cortesia de Maria de Deus Manso/U. de Évora/JDACT