Com a devida vénia a Joaquim Manuel S. Correia e Natália Brito C. Guedes, «O Paço Real de Salvaterra de Magos», Livros Horizonte, 1989, ISBN 972-24-0723-6, publico algumas palavras.
O Paço do Infante D. Luís
Embora, existam nos Arquivos Nacionais numerosos diplomas régios assinados em Salvaterra de Magos, pressupondo a manutenção de aposentos dignos, só registamos de novo a referência documental ao Paço no período em que o Senhorio da vila transitou para o Infante D. Luís (1506-1555), duque de Beja, filho de D. Manuel. D. António Caetano de Sousa e D. José Miguel de Portugal, seus biógrafos, atribuem-lhe a construção do Paço, «hum edifício sumptuoso e capaz de ser habitação sua», obra iniciada na década de 40 (ampliação por certo do Paço medievo) em que teria gasto «mais de cinquenta mil cruzados, que não chegou a acabar».
Cortesia da CMSalvaterra de Magos
A casa do Infante «foi regulada e formada com autoridade real e mui numerosa de criados, por que além dos oficiais de que se compunha 'e de pessoas de distinção, era grande a Família, de sorte que os moradores que nela havia, no ano em que faleceu, constava de seiscentas e trinta e duas pessoas» A orientação da obra foi do arquitecto Miguel de Arruda, igualmente «Mestre das obras» dos Paços reais de Santarém, Almeirim e Muge. O projecto deverá ter sido acompanhado de muito perto pelo próprio Infante que no dizer do Pintor e Arquitecto Francisco de Holanda, seu contemporâneo, «lançava linhas e traços com tão boa arte», «todos os outros artistas Portugueses não entendem nem se prezam da pintura». A consulta do tratado de Vitruvio (primeira tradução italiana datada,1521) foi-lhes por certo familiar; o próprio rei D. João III encomendou a tradução em 1541 dos «Dez Livros de Arquitectura» ao matemático Pedro Nunes.
Cortesia de CMSalvaterra de Magos
Irmão do rei, D. Luís fora educado pelos melhores Mestres, possuindo grande propensão para a música; Pedro Nunes dedica-lhe o Tratado da Esfera por reconhecer no Infante «tanto primor em Cosmografia e na parte instrumental tém tão alto e tão claro entendimento e imaginação que pode facilmente inventar muitas coisas que os antigos ignoram».
Do Paço do Infante D. Luís apenas chegou até nós a Capela, com abside rectangular dividida por colunas em três pequenas naves, criando uma área claramente renascentista de pequeno templete. A Igreja da Graça, em Évora, cuja obra era dirigida em 1542 por Miguel de Arruda, a Capela de N.ª Sr.ª da Conceição em Tomar ou os Claustros dos colégios universitários de Coimbra, de S. Tomás e de S. Jerónimo (projectados por Diogo de Castilho em 1147 e 1565) são pontos de referência do novo estilo «romano» de curta vigência no nosso País, pela directa proporção com o grau de cultura de uma elite fugaz em que o Infante D. Luís activamente participava.
Cortesia de CMSalvaterra de Magos
A abóbada oitavada do corpo que lhe é contíguo apoia em entablamento dórico suportado por doze volumosas colunas e meias colunas de capitéis dóricos adossados às paredes laterais, conseguindo, com materiais frágeis (fasqueado de madeira rebocado), uma ilusão de equilíbrio.
Seguindo cânones clássicos a concepção espacial desta capela apresenta grandes semelhanças com a da Igreja renascentista do Convento do Bom Jesus, em Valverde (Évora), construída na mesma década.
Cortesia da CMSalvaterra de Magos
Em 1657, conforme regista o frontão da janela lateral junto ao portal da Capela, esta foi renovada; durante o reinado de D. Pedro II executou-se o altar em talha dourada, de colunas barrocas e capitel coríntio, envolvidas por folhagem de acantos. As abóbadas são pintadas a fresco, numa harmoniosa composição barroca de anjos esvoaçando, preenchendo o medalhão central e alternando com motivos concheados, enrolamentos vegetalistas e grinaldas polícromas; nos quatro cantos, medalhões ovais com simbologia da paixão de Cristo alusiva ao orago da Capela.
Cortesia da CMSalvaterra de Magos
A técnica de pintura a fresco foi preferida com frequência na decoração de tectos abobadados de pequenas igrejas a sul do Tejo, especialmente na zona alentejana, Igrejas matrizes de Avis e Castro Verde, Conventos do Carmo (Moura) e de S. João de Deus (Montemor-o-Novo) entre outros exemplos, conseguindo-se obter, conjuntamente com os altares em talha dourada, um ambiente festivo, caracteristicamente barroco, rico em policromia e movimento escultório.
Uma imagem de Cristo crucificado, esculpida em madeira polícroma e envolta de grande esplendor, preenche o painel do altar-mor, onde foi colocada sobre a ara uma imagem de Nossa Senhora da Piedade, de execução seiscentista.
Cortesia da CMSalvaterra de Magos
A esta invocação se atribui o milagre registado na única representação que é conhecida do Paço Real - o ex-voto, datado de 1740 celebrando o salvamento de uma criança de morrer afogada no poço da «Horta d’el Rei». Naquele se distingue, em segundo plano, a fachada Sul que abria sobre a Horta (extremo oposto ao da fachada principal) e que teria por certo tratamento arquitectónico semelhante, embora talvez mais simplificado. Nele é nítido o corpo central de três pisos, constituído por larga arcaria de volta perfeita no piso térreo, sobre a qual assenta uma «loggia» com colunas que seriam de ordem jónica. Um terceiro piso de proporções reduzidas completa o corpo central.
Os dois corpos laterais teriam apenas dois pisos, com janelas de sacada no piso superior, protegidas por varandas de guardas de ferro, modelo renascentista. Para um claustro, em colunata, comunicavam os aposentos, proporcionando a indispensável intimidade. Diversa cantaria, colunas cilíndricas e capitéis, dispersam-se ainda pelo aglomerado urbano, reintegradas em novas construções. Os capitéis jónicos ainda existentes na vila em colecções privadas, pertenceram por certo à colunata da «loggia» respeitando assim a sequência clássica na colocação das ordens.
Não chegou o Infante a acabar o Paço, rezam as crónicas. O Senhorio da vila, herdado pelo seu filho, D. António, Prior do Crato, foi integrado na Casa Real, por sentença do Cardeal D. Henrique, abrangendo de igual modo, «todas as jurisdições, honras e prerrogativas, rendas e assentamentos, tenças, privilégios, liberdades, graças e quaisquer outras mercês» que dos reis tivesse recebido, mandando, para bem frisar toda a aversão ao seu rival político, que o nome de D. António fosse «riscado de seus livros».
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Com D. Sebastião a obra do Paço prosseguiu sob a orientação do Arquitecto António Mendes, a partir de 1565, continuando a ser frequentado habitualmente pela Corte.' António Mendes notabilizar-se-ia como «mestre das Fortificações do Reino» igualmente lhe incumbindo a responsabilidade das obras do Mosteiro da Batalha. Neste último cargo lhe sucedeu Baltazar Álvares a quem Filipe I iria nomear, em 1581, para as obras de Salvaterra.
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Cortesia da CMSalvaterra de Magos/JDACT