A Esquadra Miguelista Derrotada
e Apresada
«Nos começos de Julho de 1833
o regime absolutista instaurado em Portugal pelo infante Miguel já durava havia
cerca de meia dúzia de anos. Parecia inabalável.Fizera o dito infante tábua-rasa
da Constituição Liberal outorgada, por Pedro IV e proclamara-se rei absoluto,
mercê do apoio de uma aguerrida camarilha reaccionária que o servia por meio
das perseguições mais odiosas exercidas por autoridades desumanas. Estas encarceravam,
espancavam e matavam todos os elementos, mesmo só suspeitos de liberalismo.
A propaganda absolutista era impetuosa e livre, pertencendo as ruas aos
arruaceiros, que tinham ordem de cometer impunemente as maiores violências. Nos
púlpitos, os padres e os frades, cobrindo de calúnias os parciais da Liberdade,
incitando o povo à defesa da fidalguia e dos grandes senhores das terras, exploravam
os camponeses, obrigando-os a submeter-se a uma quase servidão.
O que foram esses anos de injustiça, de espantosa iniquidade, de bárbara
afronta a todos os sentimentos cristãos que os parciais do infante Miguel afirmavam
defender, acha-se minusiosamente descrito no livro Liberais e Miguelistas. Ocioso
seria repeti-lo aqui. Afigura-se-nos contudo, indispensável, para mais perfeita
elucidação, retomar a evocação dos acontecimentos dessa época, precisamente no dia
5 de Julho de 1833, data em que, por
fatal coincidência histórica, o Absolutismo, de raiz feudal, devido a uma
luta heróica dos liberais sofria neste país a sua derrota mais profunda, da
qual resultaria a entrada triunfante do duque da Terceira em Lisboa, à frente
dos combatentes liberais, numa atmosfera de delírio popular verdadeiramente
impressionante.
Interessa, primeiro que tudo, recordar como logrou o duque da Terceira,
som um punhado de bravos, percorrer vitorioso todo o trajecto desde o Algarve até
Lisboa, que se julgava um reduto inexpugnável do miguelismo. Na Capital achava-se
o governo com os seus ministérios. No estuário do Tejo permanecia uma esquadra
que se proclamava forte. A entrada do rio era defendida por fortalezas terríveis
nos seus flancos. E nos quartéis não faltavam regimentos e munições. Pois tudo
se desfez como fumo ao fogo dos rebeldes libertadores, animados de um ideal
progressivo que escasseava dos combatentes reaccionários, a quem faltavam a razão
e a justiça. Mais uma vez a história demonstrou que a força e a violência não bastam
para impor o triunfo de uma causa justa. Precisa de convicção e amor.
Rememoremos muito sucintamente os acontecimentos do Porto, onde Miguel,
com um exército avaliado em quarenta mil homens, procurava quebrar a heróica
resistência daquela cidade em que forças liberais superiormente comandadas pelo
duque de Saldanha, respondiam a todos os ataques com urna acção devastadora. E
relembremos também que uma esquadra liberal, sob o comando do vice-almirante
Napier, largara do Douro no dia 21 de Junho de 1833, com destino àquela província do Sul.
Levava apenas 2 500 homens a bordo. Pelo meio-dia reconheciam a costa
da Figueira; no dia seguinte achavam-se à vista de Peniche. Para desorientarem
a vigilância de Lisboa, aproximaram-se do cabo da Roca, mas, na noite de 23, já
dobravam o cabo de São Vicente e, a 24, achavam-se na costa algarvia. Pelas
cinco horas da tarde fundeavam em Cacela, apenas defendida por uma peça, que a
fragata almirante fez calar rapidamente. Sem depararem com mais sinais de
resistência, desembarcaram os liberais, antes da meia-noite, na praia de
A1agoa, a menos de duas léguas de Tavira, entre Cacela e Monte Gordo». In Mário
Domingues, A Derrocada do Absolutismo, Evocação Histórica, Edição Romano
Torres, série Lusíada, Lisboa, 1977.
Cortesia de R. Torres/JDACT