Por terra, a túnica em pedaços,
agonizando a Pátria está.
Ó Mocidade, oiço os teus passos!...
Beija-a na fronte, ergue-a nos braços,
não morrerá!
(Guerra Junqueiro, in Finis Patríae, 1891)
«Num relance pelas
movimentações estudantis que se desenham nas derradeiras três décadas de
Oitocentos torna-se difícil dissociar as condicionantes políticas dos
interesses especificamente académicos. À constituição, em 1871, da primeira e efémera Federação
Académica de Lisboa não deve ter sido estranho o ideal federativo ‘proudhoniano’,
expresso anteriormente numa proposta de Pacto Federal das Escolas do Reino
de Portugal e Suas Dependências, proveniente de uma comissão a que
pertenceu Jaime Batalha Reis.
Em 1880, aquando do tricentenário de Camões, alunos do Instituto Industrial e Comercial de Lisboa
fundam a Associação Camoniana José Vitorino Damásio, local onde os
intuitos beneficentes se mesclam com a
apologética republicana. Quanto aos princípios que nortearam, a partir
também de 1880, a organização da Associação Académica de Lisboa,
cujos Estatutos datam de 1882,
filiam-se numa intenção, relativamente lograda, de desenvolver a consciência
corporativa entre estudantes de diversas escolas e graus de ensino, bem como de
reivindicar os seus direitos. Um pouco mais tarde, em 1887, congregam-se os alunos da Academia
de Coimbra numa Associação de existência duradoura,
fenómeno justificável pelo particularismo caracterizador do pequeno universo
escolar desta cidade.
Não percamos, contudo, o
fio da meada. Falávamos da simbiose juventude/republicanismo, enquanto
catalisadora de um processo de expansionismo ideológico. Entre os estratos mais
dinâmicos e lúcidos da jovem burguesia frequentadora do meio académico é nítida
a percepção, sobremaneira após o despoletar da crise de 1890, de que a questão ingente da necessidade de
uma total remodelação do sistema educativo passa por um novo equacionamento dos
dados políticos e institucionais, quiçá pela revolução armada. A derrota
do 31 de Janeiro e o consequente agravamento de certas tensões latentes
entre os principais obreiros do projecto republicano contribuíram, decisivamente,
para ampliar a crença numa academia em que se julga ver consubstanciada a
verdadeira alma e vitalidade nacionais.
Invocam-se actos de
romântica bravura praticados desde logo em plena Restauração, continuados nas
lutas peninsulares de 1808,
confirmados nos combates em prol do liberalismo nos conturbados anos da guerra
civil. Mas, para a sensibilidade epocal, em 1891, e mais do que nunca:
- É doloríssima a crise que atravessamos. Depois da perda da honra e dos territórios, jaz o País adormecido, deixando tripudiar impunemente os parasitas. O povo, a eterna vítima dos impostos, dos monopólios e dos sindicatos, já não sabe para quem apelar. Na monarquia tudo corrupto, cínico, incapaz de um sacrifício que salve a Nação. No campo republicano, as facções a distanciarem os homens que deviam ter a compreensão do momento histórico e salvar o País, que tudo espera deles.
Que resta então? Resta
acreditar na academia como outrora se acreditou em Nun'Álvares.
- Ressuscitemos Nun'Álvares. Ergamos o seu vulto, quer nas escolas quer nos templos, foi a palavra de ordem proferida por Guerra Junqueiro no comício promovido pelo Grupo Republicano de Estudos Sociais em 27 de Julho de 1897. Grupo este que marca o início de uma nova fase na organização das forças juvenis do republicanismo.
Fundado em 1895 por um grupo
de estudantes, o Grupo Republicano de Estudos Sociais desempenhou um
papel relevante na propaganda anticlerical e antimonárquica, actuando quer
através de conferências e comícios, quer no seio das instituições de ensino.
Contou com a colaboração de figuras prestigiadas, como João Chagas, Teófilo
Braga, Manuel de Arriaga. Anos mais tarde, mais precisamente em 1900, dá lugar à Liga Académica Republicana,
a qual funcionou durante dois anos, reunindo-se os seus sócios nas instalações do
periódico A Vanguarda, cuja
direcção competia a Sebastião Magalhães Lima, incansável adepto da
juventude, considerada, numa perspectiva organicista, como mítica força
revitalizadora do tecido social. Magalhães Lima, aliás, foi um dos mais
constantes colaboradores do jornal A Liberdade,
porta-voz da Liga; este jornal orgulhava-se de uma plêiada de participantes
verdadeiramente notável e que, por si só, expressa, com vigor, a importância
atribuída à mocidade das escolas na estratégia política e no imaginário
republicano; assim, e para além do já citado Magalhães Lima, faziam
parte da lista de colaboradores d`A
Liberdade: Agostinho Fortes, Brito Camacho, França Borges,
Heliodoro Salgado, João Chagas, Sampaio Bruno, Manuel Coelho, Mayer Garção,
Alexandre Braga, Guerra Junqueiro, Celestino de Almeida, Jacinto Nunes, entre
outros». In Ana M. Caiado Boavida, Tópicos sobre a Prática Política dos
Estudantes Republicanos (1890-1931), Limites e Condicionantes do Movimento
Estudantil, Análise Social, vol.
XIX, 1983.
Cortesia de Análise
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