«Em última análise, a
essência da cultura romântica, na Alemanha como noutros países, inclusive Portugal,
é em si mesma o mais possível contraditória. De tal maneira que, mesmo
limitando-nos a esta fase de um, digamos, segundo romantismo, teremos de distinguir,
grosso modo, duas formas de
romantismo:
- O romantismo, propriamente teórico e especulativo;
- O romantismo sentimental e moral, por vezes moralista.
O primeiro está ligado a
um espírito de revolta e à polémica contra o academismo literário e o idealismo
intelectualista do século XVIII. O segundo seria, como muito rigorosamente
nota Benedetto Croce, o romantismo
como doença, ou seja, o chamado mal
du siècle. Este segundo romantismo não é, aliás, forçosamente uma
degenerescência do primeiro. Digamos que, embora as suas manifestações sejam frequentemente
secundárias do ponto de vista do valor cultural absoluto, intrínseco, ou
melhor, no plano da criação de ideias e de obras literárias de grande complexidade
e de verdadeiro universalismo, no entanto, o que o caracteriza é, antes de
mais, uma desistência perante o dinamismo da história, o que é propriamente o
contrário do, digamos, primeiro romantismo. Desistência que implicava
não só a renúncia ao engagement político
pessoal, à acção, em suma, mas também, mais genericamente, à negação
da cultura como valor actuante numa determinada sociedade.
Em Portugal, opõem-se a
este mal du siècle da burguesia
da segunda metade do século XIX aqueles que proclamam um socialismo próximo do
anunciado, e tantas vezes traído, em França como noutros países pela Revolução de 48. Mas que
socialismo? Um socialismo que anuncia a república em termos utópicos e
frequentemente simplistas, diletantes no pior sentido do termo. Como diz José Augusto
França, a propósito da publicação clandestina de A República, jornal
do povo, cujo primeiro número data de 25
de Abril de 1848 e cuja publicação dura dois meses:
- a declaração de princípios de A República mergulha-nos imediatamente num universo ideal, digno dos anjos, universo utópico que nenhuma estrutura ideológica sustentava.
Essencialmente,
porquê? Porque a estrutura política portuguesa da primeira metade do século
XIX era baseada num constitucionalismo, quando ele existiu, pelo menos
teoricamente, sem partidos verdadeiramente organizados. De facto, só muito tarde,
relativamente a outros países da Europa, é que começou a vigorar em Portugal o sistema
partidário. Mesmo após a vitória do marechal Saldanha e dos chamados Regeneradores, que
formaram o primeiro partido organizado, o constitucionalismo europeu
não se impôs totalmente em Portugal. Como assinala o historiador A. H. de
Oliveira Marques:
- Antes das décadas de 1860 e 1870, existiam correntes de opinião, grupos ideológicos, forças políticas ou o que quer que lhes queiramos chamar, mas não partidos no sentido de organismos devidamente estruturados.
Em todo o caso, essas correntes de opinião ou esses grupos
ideológicos manifestaram-se desde 1848
na Europa, como vimos, e a partir de então não cessaram em Portugal, alguns
deles, de propagandear o sistema republicano e de atacar a burguesia reinante.
Esta burguesia encontrou momentaneamente a sua unidade, formando a diferentes
níveis, alta, média e pequena burguesia, uma frente comum de expansão
industrial que a Regeneração
incentivou, tentando assim compensar a perda do Brasil. Chegara, como diz ainda
Oliveira Marques, o dia da vitória do cepticismo antigo e do
utilitarismo moderno.
Alexandre Herculano,
mentor da geração revolucionária de 1830
e do chamado Primeiro Romantismo em Portugal, escreve desde o início do período
da Regeneração, no jornal “O País”, que ele próprio
fundou com o marquês de Niza logo a seguir à entrada de Rodrigo da Fonseca
para o governo:
- A história política é uma série de desconchavos, de torpezas, de inépcias, de incoerências, ligadas por um pensamento constante, o de se enriquecerem os chefes dos partidos. Ideias, não se encontram em toda essa história, senão as que esses homens beberam nos livros franceses mais vulgares e banais. Hoje achá-los-eis progressistas, amanhã reaccionários; hoje conservadores, amanhã reformadores; olhai porém com atenção e encontrá-los-eis sempre nulos.
In Álvaro Manuel Machado, A
Geração de 70 - Uma Revolução Cultural e Literária, Instituto de Cultura e
Língua Portuguesa, Centro Virtual Camões, Instituto Camões, Livraria Bertrand,
1986.
Cortesia do Instituto Camões/JDACT